sábado, 1 de junho de 2013

Pequena coleção de todas as coisas (RJ)

Excelente espetáculo para público de todas as idades
Foto: divulgação

Dever que se cumpre com prazer

É uma regra. Não há como saber ao certo se uma arte feita para as crianças agrada o seu público alvo ou não. Uma criança, sendo tal, ainda não consegue abstrair o pensamento a ponto de conseguir 1) avaliar a arte; e 2) produzir um pensamento que expresse o resultado de sua avaliação. Por isso, o único jeito é, olhando para a obra, analisar se ela consegue ou não fazer despertar “a criança” que habita ainda dentro de nós. Nesse sentido, “Pequena coleção de toda as coisas” é uma das peças mais interessantes desse primeiro semestre carioca, porque ela faz vir à tona a sensação de liberdade que se vivencia na infância, além de influir para que desejemos que essa sensação não se acabe com o fim do espetáculo. É vibrante, é colorido, é alegre, é divertido, é doce, é amoral (o que é diferente de ingênuo), é vivo, é forte, é profundo. Realizada pela Cia Dani Lima, a peça é a primeira incursão do grupo para o público infantil, mas segue na trajetória de “listas”, que tem sido mote para outros espetáculos do seu repertório. Em cena, os intérpretes-criadores Carla Stank, Laura Samy, Lindon Shimizu e Renato Linhares produzem coleções de objetos azuis, de palavras com “dor”, de verbos de ação, etc. O jogo, extremamente bem articulado do ponto de vista da dramaturgia da cena, usa a narrativa somente quando sente que o ritmo começa a cair. Nesse momento, quando se pensou que o melhor já havia passado, o fim chega coroando o espetáculo com um encerramento brilhante. Tendo ficado em cartaz na Sala Mezanino, do Sesc Copacabana, espera-se que o espetáculo retorne para a programação e que permaneça bastante tempo. 

“Lista” é um tipo textual assim como narração, dissertação, descrição, receita, carta, etc. Como tal, ele é raramente puro, isto é, é bastante difícil não encontrar outros tipos textuais em um deles. As listas produzidas em cena se comunicam num jogo rápido, vertiginoso, alegre que prende a atenção, preenche o coração e convida para participar, o que de fato não acontece, mantendo a distância do encenação à italiana. É uma peça para ser vista e é bastante interessante analisar o quanto a catarse consegue se instalar mesmo não se tratando de uma narrativa realista. Enquanto gênero artístico, eis aí o teatro pós-dramático em perfeita atualização: há uma coerência interna entre os elementos (objetos, movimentos, ritmos, texturas, estruturas), mas que é divergente, isto é, resulta de uma conclusão da plateia e dela depende para a construção do sentido. Nesse aspecto, se vincula à contemporaneidade de forma íntima e, talvez por isso, pareça (de novo, nunca saberemos ao certo) agradar tanto as crianças, quanto as crianças que moram dentro dos adultos. Em “Pequena coleção de todas as coisas”, a lista é um objeto, mas a tese é a da hiperrealidade, isto é, a possibilidade (às vezes, uma exigência) contemporânea do homem de associar várias coisas, profundidades, relações ao mesmo tempo e cada vez mais complexas. Dessa forma, o espetáculo dirigido por Dani Lima, assistida por Keli Freitas, é uma metáfora cênica para os Ipads, Ipods, textos hiperlinkados e relações líquidas. 

As interpretações são excelentes, cada ator dando a ver uma construção que se coloca ao lado das demais, mas têm a sua identidade, o que responde aos meus princípios dos outros elementos. A direção musical de Rafael Rocha e de Rodrigo Marçal se mistura nessa articulação coerente e divergente, produzindo, ao lado dos figurinos de Valéria Martins, uma estrutura potente que deixa o texto correr solto porque sem entraves. Todos os objetos (João Modé e Erika Schwarz) são visualmente bonitos, limpos, idealizados, deixando a profundidade apenas para a fruição, como se espera de uma boa atualização de teatro pós-dramático. 

Revisitar a criança que há dentro de nós é um favor que fazemos a nós mesmos. Possibilitar bom entretenimento para as crianças por quem somos responsáveis é favor que fazemos para a sociedade atual e, principalmente, futura. Além disso, sem sombras de dúvida, ambos são deveres que, aqui, se cumpre com muito prazer. 

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Ficha Técnica :: Pequena coleção de todas as coisas
Direção: Dani Lima
Intérpretes-criadores: Carla Stank, Laura Samy, Lindon Shimizu, Renato Linhares
Assistência de Direção: Keli Freitas
Ambientação: João Modé e Erika Schwarz
Direção Musical: Rafael Rocha e Rodrigo Marçal
Figurinos: Valéria Martins
Iluminação: Renato Machado
Operadora de Luz: Tamara Goldschmied
Operador de Som: David Cole
Programação Visual: João Modé
Fotos: Renato Mangolin
Assessoria de Imprensa: Claudia Belém | Agência Febre
Conteúdo e Webmarketing: Rafael Medeiros e Marina Murta | SELO
Direção de Produção: Bárbara Fontana
Captação de Apoios: Camila Maia
Produção Executiva: Dayana Lima
Realização: Cia Dani Lima

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