sábado, 15 de junho de 2013

Les Langues Partenelles (Bélgica)

Vicent Sornaga, Renaud Van Camp e Hervé Piron
em cena
Foto: Alice Piemme

A pobreza do teatro pobre e a riqueza do homem profundo

Les Langues Partenelles” (“A língua paterna”) toca pela simplicidade do tema, mas sobretudo pelo jeito com que é levado à cena. Adaptação do romance homônimo do francês Daniel Schneidermann, publicado em 2005, a produção do grupo belga De Facto se apresentou no Brasil, integrando a programação da segunda edição da mostra Cena Brasil Internacional que ora acontece no Centro Cultural do Banco do Brasil no Rio de Janeiro. Produzido em 2009, o espetáculo se apresenta em cena por três atores vestidos de calças jeans, camisa ou camiseta em tons de preto e tênis. O chão, levemente inclinado, caindo para o proscênio, é completamente branco. Não há jogos de luzes, a rotunda é negra e, no canto superior direito, há um grande gravador que, quando ligado, reproduz uma música. Além disso, está a história. Além disso, está tudo. Além disso, está o teatro que, no caso, serve para contar a história de David, pai de dois filhos, mas também filho de um pai que acaba de falecer. No jogo de dramaturgia, ouvimos a história do pai recém morto, do pai diante da própria orfandade e, também, do filho que será pai. O tema, assim, nos une e a forma nos emociona. Houve aí mais um grande espetáculo que exemplifica a brilhante curadoria do evento citado. 

Sem trocas de figurino, sem maquiagem, sem acessórios, sem saídas para a coxia, sem entradas, sem cortinas que abrem ou que se fecham, SEM PROJEÇÕES. Em cena, o texto é dito em francês de forma muito (muito!) rápida, ágil como só poderia ser. Os atores olham para o público e se olham entre si e, no máximo além disso, escrevem ou desenham coisas no piso branco. O espectador contemporâneo se situa na história sem entraves, sem necessitar de marcas de realismo, atento ao texto, às entonações e embevecido pelas marcas, algumas úteis, a maioria apenas ilustrativas. No chão, está apenas o convite para a fuga, para o respiro, para catarse que a audiência precisa fazer a fim de entender a história, se identificar, purgar seus sentimentos e dar sentido para o que lhe é contado. Em sessenta minutos, entendemos o porquê um filho não chora diante da morte do pai, mas se alivia. Descobre-se num pai, também um homem que um dia foi apenas filho. E descobre-se, em um filho, um homem que será pai. Nesse contexto, há espaço para os medos, para as cobranças, para os questionamentos: eu estou fazendo melhor do que fez meu pai por mim? Eu estou fazendo o que quis fazer? Eu sou quem quis ser? Quanto do meu pai, de mau e de bom, há em mim? 

As três interpretações são brilhantes, cada intérprete viabilizando personagens diferentes, mas que se manifestam através de características que se assemelham, se articulam e, dessa forma, constroem uma sensação de performance em meio a um espetáculo de teatro convencional. A manobra garante, por vias cênicas, o quê de teatro contemporâneo já claro na dramaturgia e na “pobreza” manifesta pelo não-uso de vários outros elementos: cenário, figurino, luz, etc... Vicent Sornaga (O Rabino), Renaud Van Camp (de óculos) e Hervé Piron (de camiseta) emocionam porque se mostram homens interpretando homens diante de homens, fazendo a crítica ao mesmo tempo que construindo a máscara, narrando a história escrita por Seger (codinome de Schneidermann) e dirigida por Antoine Laubin, mas deixando a dúvida de que talvez também sejam essas as suas histórias. 

A direção de Laubin tem o mérito de se sustentar ao longo de sessenta minutos, apresentando uma história contada rapidamente, de forma que a atenção permaneça presa, apesar da barreira do idioma. A cena final, em que ouvimos um longo off (veja o vídeo da música "Father & Son", de Johnny Cash, aqui), é o ápice bem preparado pelo qual se esperou, de forma que as emoções brotam no fim como deve ser. O fim da peça é também o início de novas oportunidades, reabertas para nós que vamos para o mundo lá fora enquanto os personagens morrem na escuridão. 

“Les Langues Partenelles” é outro mérito do Cena Brasil Internacional. Que a produção e o grupo retorne em outras oportunidades! 

*

Ficha técnica:

Da obra de: Daniel Seger
Texto e Dramaturgia: Thomas Depryck
Direção: Antoine Laubin
Produção: Cora-Line Lefèvre

Elenco:
Hervé Piron
Renaud Van Camp
Vicent Sornaga

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