terça-feira, 11 de junho de 2013

In the place (RJ)

Alex Mello em produção que não faz falta
Foto: José de Andrade

Felizmente não está mais em cartaz

Felizmente, “In the place – Um lugar para estar” não está mais em cartaz. É triste dizer isso, sobretudo porque se trata de uma obra de arte e, como tal, tem, na contemporaneidade, a função primeira de existir. Ocorre que uma obra de arte está pronta quando seus realizadores decidem que ela está pronta. E essa decisão foi um grande equívoco na minha avaliação, que se refere ao último dia da temporada no teatro do Centro Cultural da Justiça Federal. Protagonizado por Alex Mello, ator carioca radicado na Alemanha, o monólogo faz referência por todos os lados ao pintor americano Jean-Michel Basquiat (1960-1988), mas desonestamente não assume suas intenções. Já encerrada, tratou-se de um grande engodo, um rascunho dirigido por Gilberto Grawonski, assistido por Nina Reis, que, se teve valor como processo, deveria ter ficado por ali e, nesse caso, teria sido uma homenagem mais digna ao pintor falecido há vinte e cinco anos. 

Embora o release cite o nome de Basquiat diversas vezes (veja aqui a tela que dá nome para o espetáculo), o personagem que está em cena tem com ele apenas três semelhanças: os dois são pintores, os dois têm 27 anos e os dois são negros. Segundo consta, a ideia para o espetáculo nasceu quando Alex Mello foi convidado pelo fotografo Kai Joaquim para participar de um ensaio fotográfico em homenagem a Basquiat. Com exceção do tom da pele, Mello e o pintor não são nem mesmo parecidos: o americano era alto, esguio e tinha o rosto retangular. O brasileiro é baixo e tem as feições circulares. Em cena, o personagem de Mello, cujo nome não é dito, tem algumas horas para pintar um quadro que já foi vendido pelo seu marchand. Sofrendo a pressão do mercado da arte, rejeita às drogas no início, mas, depois, acaba por aceitá-las. Ao som de música, começa a pintar uma grande tela, em que escreve palavras, se utiliza de elementos não plásticos para conferir plasticidade e se embriaga pelo seu libertar de fluxo de consciência. Outra semelhança com Basquiat surge: a mãe do personagem, assim como a mãe do pintor, é de origem latina (a mãe de Basquiat era porto-riquenha). Lembranças do passado, o preconceito, outras pontes entre os dois se estabelecem. Infelizmente, nota-se aí que estamos diante de um aproveitar-se selvagem e arbitrário da vida de um pessoa que viveu além de qualquer narrativa (e foi um dos maiores artistas do século XX) sem um compromisso valoroso (e até ético) nem mesmo esteticamente. A construção de Mello manifesta um tom de voz nervoso, tão grave quanto horrível, tão monocórdio como tedioso, tão mal desenvolvido quanto pouco aprofundado. Os movimentos (a pesquisa corporal é de Parisa Karim) fazem uma caricatura aos cantores negros de música gospel ou aos artistas de hip-hop, mexendo a cabeça sem balançar os ombros ou vice-versa, com as mãos levantadas enquanto os braços estão estendidos ao longo do corpo. O caminhar parece coreografado, artificialmente bailado em um ritmo que só se quebra quando se as lembranças ganham a vez na dramaturgia, essa última bastante previsível, redundante, informativa. Se em vários aspectos, Basquiat serve de fonte, na construção cênica da interpretação de Mello, nada disso é visto. O pintor falava calmamente, seus olhares eram sedutores, seus movimentos macios. Biógrafos afirmam que, ao mesmo tempo em que o mercado da arte assustava o jovem artista negro de Nova Iorque, ele o encantava. Além disso, a intensificação do uso de drogas pesadas, é possível supor, aconteceu mais por um sentimento de culpa em relação à morte do grande amigo Andy Warhol, do que por outro motivo. Assim, a jornada em que entra o personagem mal enjambrado de Mello parece usar de Basquiat quando lhe convém, mas foge dele por algum motivo obscuro, o que justifica o termo "engodo" supracitado. 

O release traz ainda outra informação falsa: a de que “In the place – Um lugar para estar” é uma performance teatral. Não é. Por performance, entende-se uma situação cênica em que o espectador não tem marcas suficientes para discernir entre o que é teatro e o que não é. Tudo nessa obra é extremamente teatral: o lugar onde está sendo apresentado, o início e o fim, o jeito como o personagem narra corporal e verbalmente, as articulações entre trilha sonora, figurino, cenário e iluminação. O fato de uma tela branca ser preenchida em cada sessão não é suficiente para apresentar um modo de leitura do todo artístico que lhe seja conveniente. A tela aqui é tão preenchida quanto um mate é bebido no lugar de whisky, quando um cigarro de arroz é aceso como se fosse de tabaco, como uma mistura de groselha e chocolate suja uma roupa como se fosse sangue no teatro convencional. A descrição, então, identifica uma peça que não é a que o espectador espera para ver. 

Afirmar que a trilha sonora (Ellen Meder) é interessante e que o figurino (Wagner Gonçalves) é potente pode soar como deboche em uma análise que conclui um espetáculo como uma péssima atualização da arte teatral. Melhor não afirmar e calar-se. Às vezes, é melhor ficar em silêncio. No Brasil, Basquiat, como tantos pintores inclusive brasileiros, continua sem uma homenagem próxima de sua altura.

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FICHA TÉCNICA
Direção: Gilberto Gawronski
Texto e Performance: Alex Mello
Cenário e Figurino: Wagner Gonçalves
Iluminação: Michele Hövelmanns
Trilha Sonora e vídeo: Ellen Meder
Assistente de direção: Nina Reis
Pesquisa corporal: Parisa Karim
Ensaiadora: Sabine Müller-Nordhoff
Fotos : Kai Joachim
Pesquisa: Maurício Virgens
Produção: Alex Mello e Monalyza Alves

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