Flavio Graff |
Apenas um show musical
O problema central de “Jukebox – Uma ficção científica musical” é que o público sente que, se há alguém se divertindo, esse alguém é, quando muito, os atores. Desde a entrada no sala onde acontece a apresentação, em temporada no Centro Cultural do Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, há um empenho dos anfitriões em exortar as pessoas para que se sintam à vontade, andem pelo espaço, participem da narrativa tão logo ela comece. No entanto, os puffs onde se sentam as pessoas não são confortáveis; toda a movimentação que se vê é marcada (e rígida), de forma que, assim, como os intérpretes, a assistência não está livre para fazer o que quer; e, por fim, o espetáculo é apresentado como que em um aquário, dada a quarta parede estar tão bem defendida. Ao contrário do que diz no anúncio, “Jukebox” não é definitivamente uma performance, mas um show musical com forte contribuição teatral. Na programação teatral do Rio, eis aí uma montagem que pode não ser entediante para quem espera fruir apenas uma experiência colorida e sonora, com referências musicais ao rock, ao pop e à mpb e com uma estética futurista interessante.
Performance é um tipo de teatro em que o espectador não tem marcas claras para divisar o que é ator e o que é personagem. (Teatro é uma arte em que A interpreta B diante de C. Na performance, C não sabe bem o que é A e o que é B.) Em “Jukebox”, o público não tem acesso às informações que possam lhe informar suficientemente sobre quem são os personagens, mas sabe que ali há personagens e que esses não podem ser confundidos com Adriana Seiffert (Gigante Vermelha), Dedina Bernadelli (Cauda de Cometa), Julia Deccache (Zombjörk), Felipe Storino (Ground Control) e com Flavio Graff (Major Tom). Outra marca de performance é o público não ter elementos que o auxiliem na compreensão do que é a situação teatral e do que é não-teatral, ou seja, o contrato de fruição é difuso, pois não há o efeito da denegação (aquele limite entre o que é palco e o que é plateia, o que é ficção e o que é não-ficção). Nesse espetáculo de Flavio Graff e de Felipe Storino, o público sabe muito bem qual é o seu lugar e qual é o lugar do espetáculo, pois estão bem claras as divisões tanto espaciais (o que é palco e o que é plateia), quanto temporais (quando a peça começa e quando ela termina). Assim, de fato, não é uma performance.
Como na literatura, o teatro pode ser uma narração, uma descrição ou uma dissertação, lembrando sempre que nenhum desses tipos teatrais sobrevive sozinho, mas somente com influência uns dos outros. Em “Jukebox”, não há uma história, portanto não é uma narração. Também, não é possível identificar um argumento, logo não é uma dissertação. Houvesse diferentes níveis de aprofundamento, seria uma descrição, mas eles não existem, de forma que o que se vê na primeira cena é exatamente o que se vê na última. Porque é uma sequência de músicas tocadas e cantadas sem nada além disso, “Jukebox” é um show musical. A teatralidade de que se serve está na movimentação coreografada dos intérpretes, na partiturarização dos movimentos e dos gestos de olhar e no arregimento das concepções de cenário, iluminação e figurino que, autorreferentes, dão a ver uma obra íntegra, bem estruturada e coerente. Esses últimos elementos apontados são marcas de espetacularidade, as únicas pontes que evidenciam o quanto teatro contribuiu na construção desse show.
Há dois pontos interessantes que surgem na análise de “Jukebox”: um positivo e um negativo. É positivo identificar as marcas de futurismo que estão presentes na apresentação. Com força entre os anos 60 e 70, as divagações sobre o futuro e a vida no espaço, em outros planetas ou em grandes naves cheias de botões, deram vida para uma estética consagrada através de várias artes, entre elas o cinema. Flávio Graff não evidencia um olhar futurista do século XXI, mas o mantém a partir de 1969, unindo o prateado e o espelhado ao forte uso da cor. O resultado é belo e harmônico, providenciando ao público uma experiência visual ímpar, auxiliada pelas projeções em LED. A direção musical de Storino, que parte de um roteiro de cenas decidido pelo público antes de começar a peça (a única experiência de interação que há), tem arranjos que se articulam bem com essa concepção. Sendo "Jukebox" um show, deixa-se a avaliação da qualidade musical do espetáculo para um analista de música.
O ponto interessante negativo de “Jukebox” é encontrar, na produção, um desperdício de interação. Ao entrar, o público recebe um cardápio e sugere cenas entre 20 opções. No entanto, todas as cenas funcionam em blocos separados, de forma que o resultado não se modifica pela estrutura que a ele conduz. Em outras palavras, tanto faz se a cena 17 vem antes ou depois da 10, ou não venha, pois uma, afinal, não tem relação com a outra, nem causal, nem explicativa, nem adversativa, nem qualquer outro tipo de subordinação. Ou seja, a participação do público é apenas uma falácia mais hermética do que propriamente útil.
A melhor coisa de “Jukebox” é o espetáculo estar em cartaz em uma sala de exposições e não em um teatro. Talvez esteja uma sugestão importante para o leitor preparar-se para o que vai ver.
Ficha técnica:
Roteiro, Letras, Direção e Figurino: Flavio Graff
Direção Musical e Composição: Felipe Storino
Intérpretes: Adriana Seiffert, Dedina Bernadelli, Felipe Storino, Flavio Graff, Julia Deccache e Patrícia Niedermeier (a Mulhermáquina)
Direção de arte e Instalação: Ronald Teixeira e Flavio Graff
Coreografia e Direção de movimentos: Renato Vieira e Bruno Cezario
Videoarte: Rodrigo Ponichi e Eduardo Paganini
Direção de fotografia: Tota Paiva
Edição de vídeos e Som direto: Eduardo Paganini
Câmera: Rodrigo Ponichi
Videografismo: Inez Torres e Pedro Ponce
Assistência de produção de vídeos: Emanuel Orengo
Realização de vídeos: Plano Geral
Preparação vocal: Marcelo Nogueira
Assistência de direção e Preparação corporal: Patrícia Niedermeier e Luiza Azeredo
Visagismo: Beto Carramanhos
Iluminação: Daniela Sanchez
Projeto Gráfico: Bruno Dante
Intervenção gráfica da entrada da galeria: Duda Fleury
Operação de som e de vídeo: Rafaela Prestes
Telas LED: R2 Projeções
Assistência de arte: Debora Mazloum
Assistência de arte e de figurino: Clarice Bueno
Assistência de produção: James Hanson
Direção de produção: Flávio Graff e Carlos Grun
Produção: Almeida & Graff Produções Artísticas
Rodrigo,
ResponderExcluirAcho que JUKEBOX é uma celebração ao Teatro, à música, às artes plásticas. Uma máquina onde o público entra para ouvir uma música e viajar por planetas diferentes. Cada música faz parte de um quadro diferente. E isso tudo somado resulta num espetáculo formidável. Assisti uma vez, gostei e voltei e vi outro espetáculo e, por isso, estarei lá na próxima sexta-feira dia 12/07 para mais uma viagem. Acredito que nossas platéias tão acostumadas com o "teatro formal" não fique tão à vontade com esse espetáculo. Da minha parte, me movimentei, andei, dancei e cantei muito.
Abraços
Que bom, Jorge! Acredite, o teu achar não é melhor ou pior que o meu e que bom temos achares diferentes! Que bom que vieste dizer isso aqui! Seja bem vindo e abraços!!
ResponderExcluirVI AGORA A CRÍTICA NO FACEBOOK. VI A PEÇA LOGO QUANDO ESTREOU. ACHO QUE VC FOI ATÉ BONZINHO. NEM PRA SHOW SERVE.
ResponderExcluirQue crítica boa!!!! Você verbalizou o que senti do espetáculo. Se é que podemos chamar assim. Acho que o espetáculo não diz a que veio. Nada contra misturar linguagens, muito pelo contrário, mas acho que peca em não trilhar um caminho e acredito que essa proposta de que o público é que decide a ordem do espetáculo é um simulacro para deixar a proposta "em aberto". Pra quem nasceu em 60 e ouviu todas aquelas músicas como eu ouvi, esperava mais musicalmente, mais loucura em cena, um espetáculo mais lisérgico, mais viajante... mas as marcações e coreografias prendem os atores em uma forma completamente vazia de conteúdo. Enfim...achei tolo. Marcos Arruzzo
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