sexta-feira, 21 de junho de 2013

Amor demais (RJ)

Pedro Casarin em bom trabalho de interpretação
Foto: Aline Macedo 
Má dramaturgia

Duas questões são de grande relevância na montagem de “Amor demais”, em cartaz no Espaço 2 do Solar de Botafogo, na zona sul do Rio de Janeiro: a péssima dramaturgia de Alexandre Maximino e, apesar disso, a boa interpretação de Pedro Casarin (talvez melhor porque vencedora de um grande desafio). A direção de Marcia Rocha não se vê tamanhas são as amarras negativas que o jogo proposto por Maximino faz. Presas nelas, estão, também, as interpretações de Telma Cunha Barros e de Zeca Richa que, assim como Rocha, não partem de algo consistente e não conseguem, assim, manifestar uma estrutura que seja potente. Nesse sentido, a produção, da Dona Cena - Cia de Investigação Teatral - vale pelas reflexões que fornece sobre a importância da boa dramaturgia. 

“Amor demais” tem quatro personagens, mas só dois são plenamente defendidos pelo texto: Theo (Casarin) e Noêmia (Tatjana Vereza). O primeiro é escritor de peças de teatro, tendo obtido sucesso internacional em um passado recente com textos que, na verdade, são colagens de autores desconhecidos. A segunda, mais velha que ele, é sua esposa. O casal acabou de chegar de viagem e, tendo recebido uma quantia por antecedência, Theo está diante de uma peça que não consegue terminar. Apesar do dinheiro que se esvai, Noêmia sai todas as noites, talvez, buscando a companhia que não lhe oferece o marido, esse sempre enfurnado em seu escritório. É nesse lugar que o drama se desenvolve. Antônio (Richa) e Aurora (Barros) são os personagens da peça que Theo escreve. Nesse núcleo, evidencia-se uma intenção interessante na dramaturgia de Maximino, que, infelizmente, não se estabelece: sabemos quem é Theo, mas não sabemos quem são suas criaturas. Elas existem independente da peça em que estejam, têm vontade própria, opiniões formadas, interesses e se chamam Aurora e Antônio só nessa peça que está sendo escrita. De resto, uma imensa quantidade de perguntas ficam sem resposta, de forma que vai aí por água abaixo o realismo de Maximino (o texto é melhor lido, tanto do ponto de vista literário como cênico, a partir do gênero realismo fantástico. Isto é, há um determinado número de acontecimentos que são inverossímeis para o real além da narrativa, mas que, dentro daquele conjunto de regras, são plenamente viáveis – assim avaliados pelos personagens que as constroem). 

Dentro da dramaturgia, há ainda outra questão cujo trato é inevitável sem a revelação de algo que o espectador da peça deverá só saber no final (spoilers). No processo de escritura da peça, Theo está purgando uma chaga de seu momento atual que não consegue resolver. Recentemente, ele descobriu que, no passado, Noêmia tivera um caso com sua mãe. Nesse contexto, de uma forma bastante pobre, a curva feita pela narrativa de Maximino é linear e, depois, decrescente, sem haver nem mesmo um anti-ápice. Quando a peça começa, Theo já sabe desse segredo (é o espectador quem fica sabendo depois) e já está, então, “emburacado”. Quanto mais a narrativa avança, menos Theo evolui, de forma que sua modificação (a curva declina) se dá apenas como uma reação às ações de Noêmia. A pobreza do texto de Maximino está em direcionar seus personagens para uma rua sem saída desde a primeira cena. Com razão, uma das personagens diz: “Não há o que dizer!”. Exato, não há.

(Em “A poética”, Aristóteles analisa “Édipo Rei” e define por “reconhecimento” o ato do protagonista conhecer algo que já conhecia, mas não sobre um determinado novo ponto de vista, ou algo que o espectador já sabe, mas ele não. Há um motivo para “Édipo Rei” ser muito mais importante para a dramaturgia universal do que “Édipo em Colono”, escrita pelo neto de Sófocles, autor da primeira. Na mais famosa, o Rei Édipo é movido pela necessidade trágica de saber quem é o culpado pela maldição de Tebas. Na outra, Édipo apenas lamenta sobre o que já sabe desde o início.) 

Márcia Rocha, ao dirigir o texto para o teatro, não constrói um bom espetáculo quando não cria espaços para o silêncio (cortar o texto literário é, muitas vezes, a missão de bons diretores de teatro). Cena após cena, o espectador está diante de diálogos longos que dizem o que já está dito, defendendo um realismo que o próprio autor não defende bem (quase chega ao melodrama). Porque cria boas pausas, providencia marcas de reconhecimento (Aristóteles), exibe uma construção não fleumática, discreta, introspectiva, Casarin merece elogios. Sem dúvida, o personagem é um grande desafio, porque flerta perigosamente com o trágico e com o romantismo, cujo resultado poderia ser fatal, mas vence. Tatjana Vereza, exagerada nos atos, monocorde no tom de voz e sem movimentos faciais expressivos mínimos, constrói uma interpretação ilustrativa, porque redundante. Telma Cunha Barros e Zeca Richa, a primeira com melhores oportunidades e mais bem aproveitadas que o segundo, deixam no ar todas as interrogações que, por primeiro, lhes foram feitas. 

O cenário e a iluminação de Paulo Denizot são bons: seus melhores momentos estão nos livros invertidos (“autores desconhecidos”) e seu pior segundo está no telefone sem fio que contrasta com a máquina de escrever, as folhas de papel, os livros. Positivamente, há pouco para se dizer do figurino (Janaína Wendling) e da trilha sonora original (Vitor Hugo): no realismo, todos os elementos devem apontar apenas para a ação e o menos possível para si próprios. 

O melhor do casamento entre texto e teatro, numa análise de peça teatral, é quando o segundo dá a ver o seu melhor. Infelizmente, não é o que acontece aqui. 

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Ficha técnica
Dramaturgia: Alexandre Maximino
Direção: Márcia Rocha
Direção de movimento: Virginia Maria
Cenário e Luz: Paulo Denizot
Figurino: Janaína Wendling
Trilha sonora original: Vitor Hugo
Programação visual: Pedro Logän
Fotografia: Aline Macedo
Assessoria de imprensa: Alessandro Moura
Elenco: Pedro Casarin, Tatjana Vereza, Telma Cunha Barros e Zeca Richa

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