quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Shrek - O Musical (RJ)

Foto: divulgação
Aquém dos musicais que o Brasil tem produzido


            Duas horas de atraso. Foi com duas horas de atraso, sem a imprensa ter recebido nem release, nem a ficha técnica ou o programa do espetáculo, e ter ficado quase cinquenta minutos na fila (e no calor) para conseguir o ingresso, que o espetáculo “Shrek – O Musical” estreou no Rio de Janeiro. Para piorar a situação, a produção deixou ainda entrar o constrangedor grupo “Pânico” no interior do Teatro João Caetano, evidenciando um certo deslumbre negativo pelo mundo dos grandes musicais. Produzido pela Kabuki Produções e pela XYZLive, o espetáculo apresenta boas interpretações, um excelente cenário, um belo figurino, uma iluminação adequada. Mesmo assim representa um retrocesso ao que já foi conquistado no Brasil em termos de excelência no gênero e, sobretudo, de respeitabilidade. 

Alguns fatos sobre a obra. Shrek foi primeiro um livro, lançado em 1990, escrito pelo americano William Steig (1907-2003). Foi, onze anos depois, um filme que gerou mais três continuações, produzido pela DreamWorks. Por fim, a partir de dezembro de 2008, foi o musical mais caro (até então) na Broadway com músicas de Jeanine Tesori e com letras e roteiro de David Lindsay-Abaire. Apesar de boas críticas recebidas e de várias indicações a prêmios, o espetáculo fez curta temporada na Big Apple e saiu de cartaz antes que pudesse resultar em um fracasso financeiro. Com muitas alterações desde a première em Seattle, a peça foi ainda muitas vezes modificada ao longo do período e continua sendo até hoje nas suas versões pelo mundo. A explicação é simples: é um erro pensar que o sucesso obtido no cinema pode ser repetido no teatro. O cinema permite à sua fruição algo que o teatro não provê (e vice-versa). 

Duas questões são bastante relevantes no diálogo entre cinema e televisão que o musical "Shrek" propõe. A primeira é da ordem da trilha sonora. No filme, há estreita relação entre a obra e o além do filme. Trata-se de uma chanchada: o público reconhece as músicas (Smash Mouth, Eels, Jason Wade,...), cantando as melodias, enquanto se diverte com a história e as piadas que agem no mesmo sentido. No musical (teatro), as músicas (Tesori) são composições feitas especialmente para o filme, ou seja, desconhecidas pelo público. Na versão brasileira, as letras de Claudio Botelho são traduções para português, o que é ainda mais problemático. Além de não reconhecer as músicas, o ouvinte brasileiro sabe que há algo de estranho naquelas letras, que algo parece “não se encaixar”. 

A outra questão relevante diz respeito ao visual. A direção de fotografia do cinema permite planos americanos, planos de peito, closes e big closes. O grande ogro verde Shrek domina a tela. A relação de grandeza do protagonista em relação aos demais personagens (Fiona, o Burro, o Gato de Botas, o Biscoito) é clara: Shrek é muito maior que todos os outros, só não sendo maior que o Dragão. No teatro, isso não é possível. O espectador vê todo o palco ao mesmo tempo, ou seja, as relações de tamanho não acontecem da mesma forma. Nesse sentido também, os acordos do cinema com o público e do teatro com o público não são iguais. No teatro, o público assiste a operadores carregando o Dragão e ao Biscoito sendo manipulado como um fantoche. A necessidade de estabelecer essas combinações com quem vê dá ao ritmo um peso que o cinema dispensa. 

Ritmo é o pior elemento de “Shrek – O Musical”. A versão brasileira assinada por Diego Ramiro (direção), por Marcelo Castro (direção musical) e por Fernanda Fernandes e Cristina Bério (roteiro) é longa demais. Com toda a agilidade do cinema, o filme tem noventa e dois minutos. Com toda a dificuldade do teatro em atualizar a obra, a peça tem três horas, o dobro. Com um punhado de músicas inúteis, redundantes, dizendo de novo o que já foi dito, e sem coreografias ou grandes movimentações de cenário que possam chamar a atenção do espectador, a narrativa fica monótona e desinteressante em vários momentos. Rodrigo Sant’Anna não tem preparo para cantar e é visível o seu constrangimento quando ele é obrigado a fazer isso. Excelente ator que ele é, o resultado dói ainda mais na plateia. 

No que diz respeito às interpretações, há destaques bastante positivos. Rodrigo Sant’Anna, que interpreta o Burro, é a grande presença do espetáculo. São dele os melhores momentos da narrativa no que diz respeito ao roteiro. Assim como Maria Clara Gueiros, em “O Mágico de Oz”, a escolha é grande mérito do casting. Julie Andrews Brasileira, Sara Sarres, que dá vida a Fiona, lidera os melhores momentos musicais da produção. Com graça e elegância, o trabalho da atriz em cena é um grande investimento da produção em termos de técnica e de qualidade. No mesmo sentido, mas com menor participação, agem Camila Braunna, que dá voz ao Dragão, e Thaynara Bergamim, que faz a Fiona ainda criança. Marcelo Octávio (Lord Forquaad) apresenta um boa performance, mas que deverá ficar melhor ao longo da temporada. Nele, assim como em Diego Luri, que interpreta o apagado protagonista Shrek, falta o carisma de que necessita o personagem. Sem momentos negativos, o elenco conta ainda com as boas participação de Renan Mattos (o assistente do Príncipe) e de Lucas Drummond (Pinóquio). 

“Shrek – O Musical” tem ainda bons figurinos de Luciano Ferrari e boa iluminação de Guilherme Bonfati. O destaque positivo é do cenário de Paula de Paoli, sobretudo na Torre de Fiona e no Castelo de Forquaad. As entradas são ágeis, as opções preenchem o palco com vivacidade e chamam a atenção pela riqueza de detalhes. 

Com esforço em aproximar o público do palco, oferecendo vários níveis de fruição, como acontece no filme e no livro, a direção de Diego Ramiro conduz a história para o ápice final, com afinadas marcas nos saltos de evolução da história ao longo da narrativa. O esforço, diante de tantos números musicais e problemas da ordem da produção na recepção do público, vem a calhar. Apesar das baixas, “Shrek – O Musical” cumpre o seu papel em atualizar o gênero, mas não é um espetáculo para se aplaudir em pé. 

*

Ficha Técnica:

Elenco:

Diego Luri
Sara Sarres
Rodrigo Sant’Anna
Marcel Octavio

Mauro Gorini, Renan Mattos, Giulia Nadruz, Alice Motta, Analu Pimenta, Tatiana Sobral, Elton Towersey, Thadeu Matos, Mariana Gallindo, Camilla Carmargo, Fabricio Negri, Lucas Drummond, Camila Braunna, Fabiana Tolentino, Rooney Tuareg, Juliana Lago, Tato Maiuolo, Giselle Lima, Conrado Helt, Marcelo Ferrari, Bruno Kimura, Julia Gomes e Thaynara Bergamim.

Direção – Diego Ramiro
Versão Brasileira – Claudio Botelho
Tradução de texto – Cristina Berio e Fernanda Fernandes
Direção Musical – Marcelo Castro
Direção de Movimento – Caio Nunes
Cenógrafia – Paula de Paoli
Figurino – Luciano Ferrari
Desenho de Luz – Guilherme Bonfati
Desenho de som – Fernando Fortes
Produção Executiva - Lilian Cordeiro ,Diego Ramiro, João Paulo Affonseca
Direção de Produção – Katia Fanticelli
Coordenação de Produção – Giovana Menniti
Consultoria Cultural – Karem Lis
Lider de projeto XYZ – Guilherme Rodrigues Alves
Gerente de Atendimento – Renata Babolin
Diretor Financeiro – Ailton Vieira
Financeiro Kabuki – Rosa Maria Ramiro
Financeiro XYZ- Fernanda Wernz , Alessandra Federighi, Flavia Pinho , Rosa Maria Biasi
Produção de Elenco – Juliana Costa e Alice Wolfenson
Making of – Kushen Pillay
Jurídico – Tilkian & Marinelli
Midia – Fabricio F. Bermelo de Andrade
Criação de material e site – Ricardo Gertrudes, João Carlos Prado e Filipe Levy

5 comentários:

  1. Rodrigo. Você é um crítico como deve ser, raríssimo! Shrek resulta em um bom espetáculo pelos papéis da Fiona e do Burro mas sobretudo pela tríade: figurino, cenografia e iluminação. A “redução” em termos de volume do Shrek cinema-teatro foi salva pelos técnicos mais do que pela direção. Parabéns para a tríade!!

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  2. Rodrigo. Você é um crítico como deve ser, raríssimo! Shrek resulta em um bom espetáculo pelos papéis da Fiona e do Burro mas sobretudo pela tríade: figurino, cenografia e iluminação. A “redução” em termos de volume do Shrek cinema-teatro foi salva pelos técnicos mais do que pela direção. Parabéns para a tríade!!

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  3. Espetáculo maravilhoso. Figurinos e cenários de 1º mundo. Diversão garantida. Recomendo a todos.

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  4. E os adereços cenográficos?? quem fez?? são lindos perfeitos... as maletinhas dos Porquinhos então.. a vassoura da bruxa... perfeitos, mas gostaria de saber quem os fez.

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  5. O espetaculo ganha vida em certos momentos mas como percebemos eles acabam
    Na minha opinião o elenco de apoio brilha mais (para os que entendem do assunto)

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