O incômodo bem-vindo
“Sobre nós dois” é um espetáculo que positivamente incomoda. A montagem em cartaz no Espaço 2 do Solar de Botafogo parte de um texto bem escrito por Daniel Freitas para uma encenação com bons e com maus momentos dirigida por Marcelo Aquino e interpretada por Freitas e por Fabiano Bernardelli. À noite, um rapaz sofre uma tentativa de assalto em um caixa eletrônico bancário. Por errar a senha três vezes, ele é levado pelo suposto assaltante para sua casa. Tem início um sequestro em que a vítima é um jovem franzino e branco e o criminoso é grande e negro. Com diálogos de abertura estranhamente cheios de humor versus um jogo tenso de agressões próximas do real além da narrativa, a dramaturgia esconde o que negativamente a encenação, em alguns momentos, evidencia. De forma positiva, o final é surpreendente e o texto, por vencer os empecilhos, se mostra mais profundo do que aparenta ser. Sem dúvida, a peça tira proveito da proximidade com que o público a frui no espaço cênico apertado, mas poderia tirar mais.
Marcelo Aquino apresenta um bom trabalho de direção de atores que é visível nas boas construções de Daniel Freitas e de Fabiano Bernardelli. Enquanto o primeiro, apresenta uma voz que, fraca, parece sair apenas com esforço, o segundo traz nela o que já é visível no corpo: a força. Ambos com excelentes desenhos corporais, com pausas bem postas e com emoções bem dosadas oferecem um trabalho de que não é possível tirar os olhos. O problema da direção está na superficialidade com que o movimento entre os dois se dá a ver sobretudo em determinadas cenas.
A produção, que segue bem na maior parte do tempo, perde, nas cenas coreografadas, a proximidade com Plínio Marcos, cuja guerra pelo poder o dramaturgo santista tão delicada e, ao mesmo tempo, fortemente deixou claro em “Dois perdidos numa noite suja”. Em “Sobre nós dois”, o Refém tem algo que o Sequestrador não tem. Depois, o jogo se inverte e, não fossem as “quebras” na fluidez da narrativa, sofrer-se-ia a maior impacto. A sequência de abertura, as cenas de tiro, o tango suavizam o ritmo, fazem ver o teatro, impedem a catarse, desviando, assim, a profundidade. O cenário de Jan Macedo e de Caio Braga cria um universo estético muito aparente (o emaranhado de barbantes ilustrando o relacionamento entre os personagens é é uma opção rasteira) para o texto que pulsa realismo em quase todos os seus momentos. No mesmo sentido, a trilha sonora de Sérgio Pascolato e de Felipe Dias lembra negativamente o público de que o que se está vendo é falso.
São positivos o desenho de iluminação de Rubia Vieira e o figurino da mesma dupla que assina o cenário. O grande valor da obra como um todo, no entanto, é sua capacidade de revelar corajosamente um vencedor em uma situação que parece ser de empate. O caminho que leva para esse fim gera um incômodo que, como toda reação ao bom teatro, é bem-vindo!
FICHA TÉCNICA:
Direção: Marcelo Aquino
Texto: Daniel de Freitas
Elenco: Daniel de Freitas e Fabiano Bernardelli
Direção de Produção: Antonio Libonatti
Cenário e Figurino: Jan Macedo e Caio Braga
Assistente de Produção: Liana Villa Verde
Assistente de Produção: Kaio Lima
Trilha Sonora: Sérgio Pascolato e Felipe Dias
Operador de Som: Felipe Dias
Iluminação: Rubia Vieira
Design Gráfico: Coral Michelin
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