sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Myrna (SP)

Foto: divulgação

Excelente trabalho de interpretação em dramaturgia ruim

Apesar da excelente interpretação de Luciana Borghi, o monólogo “Myrna” não vence o desafio teatral de narrar um contexto através do tempo. Costurado a partir das crônicas de Nelson Rodrigues (1912-1980), publicadas no livro “Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo”, o texto, que tem assinatura de Elias Andreato, tem ganchos fracos e que não sustentam a situação a contento. A direção de Renato Borghi e de Elcio Nogueira Seixas, por seu turno, deixa muitos espaços em branco ao longo do trabalho, de forma que cabe à intérprete os grandes méritos desse espetáculo vacilante. 

Sob o pseudônimo de Myrna, o jornalista Nelson Rodrigues respondia a cartas de leitoras sobre assuntos do universo feminino em sua coluna no jornal Diário da Noite. Em cena, a Myrna de Luciana Borghi é um misto de figura mística, locutora de rádio, mulher e, de alguma forma, de uma versão do próprio Nelson. Ora como colega, como funcionário e como antagonista, o personagem do sonoplasta, interpretado por Rocky Gomes, também não apresenta uma definição suficientemente precisa. O jogo entre os dois, apesar disso, fornece alguns momentos cômicos que divertem a plateia. 

O público está no estúdio de um programa de rádio, o programa de Myrna. A locutora, que chega com atraso, dá início, pedindo a atenção dos presentes, dividindo suas falas entre frases que vão ao ar e frases apenas compartilhadas com as pessoas do auditório e não com os supostos ouvintes. Na peça, a primeira parte compõem-se da leitura e da resposta de cartas enviadas ao rádio. Seguem o horóscopo e a sessão tragédias diárias. Com intervalo comerciais, o “Programa de Myrna” tem ainda números musicais. Tudo é ambientado nos anos 50, o fim da era de ouro do rádio. Ao longo de noventa minutos, a justaposição das cartas e das histórias bastaria com um ritmo menos entrecortado. 

Primeiro, a necessidade de ir ao banheiro à guisa do programa que está no ar. Depois, uma carta misteriosa que chega trazendo uma novidade sobre a vida amorosa da locutora. Além, uma cena de bebedeira e de valsa. As histórias de Nelson Rodrigues parecem não ter sido o suficiente para Andreato ou para a dupla de diretores Borghi e Seixas. As forças, assim, que impulsionariam a narrativa para o fim são fracas, sem fontes narrativas claras e esteticamente de gosto duvidoso. 

Luciana Borghi, com grande carisma, expressa a sua personagem com excelente uso corporal, facial e vocal. Sem uma direção que, de forma potente, organize suas reações, a construção da atriz parece simplesmente improvisar sem destino ou roteiro definido. A sensação de imediatismo dessas marcas são positivas para o público, que pensa estar vendo algo diferente dos outros públicos. A opção, por outro lado, resulta no alargamento de um tempo que já, por si só, é largo uma vez que não será uma história, mas uma coleção delas ao que se vai assistir. 

“Myrna” tem ótimo resultado estético no que diz respeito ao figurino de Daniela Sampaio, da iluminação de Tomate Saraiva e da trilha sonora de Rocky Gomes. A roupa preserva o ar de mistério da personagem, conservando um certo glamour, que são positivos para a sua apresentação. As músicas, partindo de uma narração de “O Direito de Nascer” e passando por clássicos musicais do rádio e por números de sonoplastia, dão ritmo, na medida do possível, à narrativa juntamente com a iluminação. 

“Myrna”, que faz temporada simultaneamente no Rio de Janeiro e em São Paulo deixa a desejar enquanto homenagem a Nelson Rodrigues. Vale, mesmo assim, por trazer o universo do rádio para o teatro. 

*

FICHA TÉCNICA:

Texto: NELSON RODRIGUES
Adaptação Dramatúrgica: ELIAS ANDREATO
Direção: RENATO BORGHI E ELCIO NOGUEIRA SEIXAS
Interpretação: LUCIANA BORGHI (Myrna) e ROCKY GOMES (sonoplasta)
Trilha Sonora Original: ROCKY GOMES
Cenário: SANTUSA CASTRO
Figurino: DANIELA SAMPAIO
Fotos: ABOUT PRODUÇÕES
Iluminação: TOMATE SARAIVA
Produção: LUCIANA BORGHI Produções Artísticas
Assessoria de Imprensa: PAGU COMUNICAÇÃO
Realização: CIA DE VESTIDO

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