quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Oréstia (RJ)

Foto: divulgação

Com méritos, o Rio de Janeiro encara a tragédia grega


            “Oréstia” é um excelente espetáculo, estando entre os melhores da programação teatral do Rio de Janeiro. Capitaneado por Malu Galli, que a dirige e a interpreta, a peça é uma adaptação da trilogia de Ésquilo (525-456 a.C.), composta de “Agammenon”, “Coéforas” e “Eumênides”. É puro preconceito achar que o Rio de Janeiro, apesar da praia e do clima tropical, não é talhado para a dureza da tragédia grega. É um prazer ver um gênero tão árduo recebendo tão nobre atualização. Para quem gosta de bom teatro, assistir a “Oréstia” é um dever que se cumpre com prazer. 

O único senão da montagem atual, em cartaz no Teatro da Casa de Cultural Laura Alvim, é o final. Depois de excelente adaptação, em que se mantém a retórica absolutamente clara, com boas dicções e vivas entonações, Gisele Fróes entra em cena, interpretando a deusa Atená, e quebrando infelizmente um paradigma. O falar solto trazido por essa personagem, contaminando negativamente o falar de Otto Jr., que dá vida ao deus Apolo, corrompe as sólidas e bem vindas estruturas construídas até ali. Com uma direção firme, Galli, ao lado de Bel Garcia, deixa ver na forma uma incoerência interna que é inexplicável e prejudicial. Se, por um lado, já é estranho reconhecer, pela primeira vez na tragédia, um deus que divide o seu poder com os humanos, estabelecendo uma votação que poderá influir em sua decisão acerca do destino de alguém, por outro, fica impossível aceitar o tom de voz mole, a entonação irresponsável, o bate-papo inconsequente que parece se estabelecer na cena final entre esse deus e os demais personagens. Caem por terra a força de todas as cenas anteriores, o rigor das interpretações sólidas e do discurso pontual. 

Com direção de movimento de Dani Lima, o conjunto de atores apresenta excelentes trabalhos. Não há problemas de dicção, as presenças são fortes, as pausas bem postas e o ritmo é bem conduzido, sobretudo porque não apresenta entraves. São nítidas as transformações dos personagens em coro ou em outros personagens, possibilidade essa que o teatro contemporâneo legou ao seu público. “Oréstia” não é nem um resumo da trilogia, tampouco uma adaptação do texto milenar para uma estrutura contemporânea. No palco, há a supressão de muitas passagens das obras originais pela potencialização de algumas cenas principais. Porque na parte há a semente do todo, a encenação rica dos trechos permite um olhar sobre a obra que permanece sem ressalvas (apesar da cena final). E essa encenação é também mérito do que se vê nas destacáveis construções de Julio Machado (Agamenon/Orestes), Malu Galli (Clintemnestra/Eletra), Otto Jr. (Egisto/Apolo), Luciano Chirolli (Corifeu/Erínias) e de Daniela Fortes (Ifigênia/Cassandra). 

Apesar da execução aparente (visível), oriunda de um computador em cena, a trilha sonora de Rômulo Fróes e de Cacá Machado dá impulso positivo à história e ganha lugar privilegiado no jogo em que os atores cantam trechos das falas originais do coro. Coerente com a proposta de potencializar alguns momentos para dar vista aos demais, as músicas articulam as cenas, fazem a fruição positivamente reflexiva e conduzem para o fim com notório mérito. Em igual sentido, a iluminação sempre elogiada de Maneco Quinderé enche de vida lugares específicos do palco, pontuando, com a harmonia apolínea da tragédia grega, o equilíbrio que uma boa encenação do texto requer. Quanto aos figurinos e ao cenário, há que se dizer que sua neutralidade é boa porque ela dá movimento às trocas de personagens e de lugares narrativos, mas em consequência negativa suas escolhas não agregam valor. 

Apresentada pela primeira vez em 458 a.C., “Oréstia” trata das histórias da família de Tântalo, filho de Zeus. Tântalo, um dia, roubou comida da mesa dos deuses e serviu aos mortais, contando a eles os segredos do Olimpo. No lugar do manjar, serviu pedaços do corpo de seu próprio filho, Pélope. De volta à vida, Pélope, depois de ter sido amante do deus Poseidon, se enamorou de Hipodâmia, filha de Enomau. Para que houvesse o consentimento para se casar, Pélope deveria vencer Enomau em uma corrida de carros contra Mírtilo. Com a ajuda de Poseidon, Pélope venceu a corrida, matando Mírtilo que lançou uma terrível maldição sobre a família de Pélope. Atreu, filho de Pélope e de Hipodâmia, instigado pela mãe, matou, com seu irmão gêmeo Tiestes, o irmão menor Crisipo. Atreu e Tiestes fugiram para Micenas onde foram acolhidos pelo rei Euristeu, que acabou por deixar para eles o trono. Atreu, marido de Aerópe, descobriu que seu irmão o traia tendo relações com sua esposa. Para se vingar, Atreu matou os filhos de Tiestes e servindo a carne dos sobrinhos em um jantar para o irmão. Anos depois, Tiestes teve um filho com sua própria filha Pelópia que se chamou Egisto. Atreu, que já era pai de Agamenon e de Menelau, se casou com Pelópia e o casal criou o filho dela com Tiestes. Quando crescido, Egisto matou Atreu, se tornando, junto de seu pai Tiestes, o governante de Argos. Refugiados em Esparta, Agamenon e Menelau se casaram com as princesas Clientemnestra e Helena, herdando o trono e expulsando, em seguida, o primo-irmão Egisto da Grécia. Vindo de Tróia, o príncipe Paris roubou Helena de Menelau e teve-se início uma grande guerra. Para poder ir ao mar com o exercito, Agamenon precisa de ventos. Para mandá-los, a deusa Artemis pediu Ifigênia, a filha do rei, em sacrifício. Durante a Guerra, Egisto retornou e seduziu Clintemnestra, que não havia perdoado o marido Agamenon pela morte da filha Ifigênia. Quando Tróia foi vencida, Clintemnestra matou o marido, exilando o filho Orestes na Fócida. Apadrinhado por Apolo, Orestes retornou, assassinando a mãe e Egisto, seu amante. Perseguido pelas Erínias, Orestes ganha julgamento pela deusa Atená, cena final da trilogia de Sófocles, que meritosamente integra a programação de teatro do Rio de Janeiro. 

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Ficha técnica

Texto - Ésquilo
Tradução - Alexandre Costa e Patrick Pessoa
Dramaturgia – Patrick Pessoa
Concepção geral e direção – Malu Galli
Co-direção - Bel Garcia
Elenco – Malu Galli, Gisele Fróes, Luciano Chirolli, Otto Jr, Júlio Machado e Daniela Fortes
Direção de arte e cenografia – Afonso Tostes
Iluminação– Maneco Quinderé
Direção musical e trilha sonora original – Rômulo Fróes e Cacá Machado
Direção de movimento – Dani Lima
Producao Executiva: Gabriel Bortolini
Producao: Bianca De Felippes / Gavea Filmes

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