Mais vistoso do que realmente bom
Gabriel Villela é uma grife. E uma grife cara. Não importa se a peça é “Romeu e Julieta” ou “Tio Vânia” ou, ainda, a história do nascimento de Cristo ou “Ópera do Malandro”. Quem conhece teatro e vai atrás de Gabriel Villela sabe que verá, antes de tudo, muitas marcas de teatralidade. Caras pintadas, musicalidade, símbolos fortes, figurinos coloridos, cenário que reaproveita objetos inusitados, versões alternativas para os textos de origem, todas essas “pistas” são os registros que, porque se repetiram em sua trajetória como encenador, o caracterizam enquanto artista. Ou seja, não é possível dizer que foi ver Shakespeare e não o encontrou. Quem dirige “Macbeth”, em cartaz nesse final de semana (apenas) no Teatro dos 4, no Rio de Janeiro, é Gabriel Villela. Ao público leigo, lhe carece uma pesquisa. No entanto, sobre o caso em questão, se geralmente, a força criadora do encenador não prejudica as obras fontes, agora é possível dizer o contrário. “Macbeth” pode até ser um bom espetáculo, mas não é um bom exemplo de Gabriel Villela.
Partindo do texto: a adaptação proposta à tragédia de Shakespeare (1564-1616) superficializa demais a obra literária de um dos maiores dramaturgos da história ocidental. A história de Macbeth não é um drama adolescente como em “Romeu e Julieta” nem tampouco uma alegoria como o nascimento de Cristo (alusão ao espetáculo “A rua da amargura”). Há muito mais profundidade, filosofia, reflexões que os cortes retiraram. As bruxas viraram fofoqueiras, o Rei Duncan virou um senhor bondoso, Lady Macbeth uma mulher cruel e Macbeth um homem ambicioso. Ou seja, todas as contradições internas de cada personagem, a riqueza de suas construções, os detalhes de seus embates pessoais (o que querem versus o que fazem) se perderam. Em cena, a história contada é um “Macbeth para Jovens Leitores”, no pior significado do termo.
Partindo dos objetos (outras obras fontes, para não dizer que se privilegia apenas o texto): malas e cadeiras de cinema não estabelecem ligação com a narrativa cênica. A justificativa, se há uma que reforce a escolha, não está visível. São objetos, trazem uma carga simbólica fácil de reconhecer, mas o que querem dizer ali? Apenas mostrar que uma mala pode virar um escudo, que um efeito interessante pode ser obtido retirando o fundo de uma mala e abrindo-lhe o zíper não são o bastante. As entradas e saídas da fila de cadeiras de madeira pesa o ritmo da narrativa em que os atores são também os contrarregras. O grande tear, visível, altivo em cena em todos os momentos do espetáculo é muito pouco usado, embora faça final e positivamente referência à história que as bruxas tecem e os personagens vivem.
Partindo do elenco: não se entende o porquê Lady Macbeth é interpretada por um homem (Claudio Fontana), assim como também não se justifica a concepção andrógina e atemporal em traços tão visíveis em todos os personagens (o figurino é assinado por Gabriel Villela e por Shicó do Mamulengo). São boas, porém, as interpretações. O texto é bem dito (antropologia da voz assinada por Francesca Della Monica e direção de texto por Babaya) e as intenções são claras. O ritmo do discurso verbal e da movimentação expressa um cuidadoso trabalho de musicalidade (Ernani Maletta). No papel de protagonista, Marcello Antony oferece um movimento interessante à análise. Resistente à ironia das bruxas e do Narrador, que observam a condução alheia dos destinos, ele segue a concepção maniqueísta de todos os outros demais personagens (ou bons, ou maus) que apenas vivem. No final, no entanto, quando Macbeth vê se aproximar a floresta, é possível perceber na interpretação dele um pouco mais de leveza, como quem passa a enxergar a própria vida como vista de fora. Eis aí um detalhe a ser valorizado, destaque em um elenco de bons trabalhos, apesar do visagismo carregado.
O “Macbeth”de Gabriel Vilella é mais vistoso do que realmente bom. Para seus admiradores, um opção obrigatória.
Ficha técnica
Elenco
Macbeth Marcello Antony
Lady Macbeth Claudio Fontana
Duncan / Macduff Helio Cicero
Banquo / Dama de Companhia Marco Antônio Pâmio
Narrador Carlos Morelli
Bruxa 1 / Nobre José Rosa
Bruxa 2/ Malcolm / Ross Marco Furlan
Bruxa 3/ Donalbain / Angus / Velho / Mensageiro/ Porteiro Rogério Brito
Texto - William Shakespeare
Tradução - Marcos Daud
Colaboração – Fernando Nuno
Direção e adaptação - Gabriel Villela
Assistência de Direção - César Augusto, Ivan Andrade e Rodrigo Audi
Figurinos – Gabriel Villela e Shicó do Mamulengo
Cenografia - Marcio Vinicius
Iluminação– Wagner Freire
Antropologia da voz- Francesca Della Monica
Direção de texto – Babaya
Musicalidade da cena - Ernani Maletta
Trilha Sonora – Gabriel Villela
Direção de Movimento - Ricardo Rizzo
Adereços- Shicó do Mamulengo e Veluma Pereira
Apliques e patchwork - Giovanna Vilela
Costureira- Cleide Mezzacapa Hissa
Maquiagem para ensaio fotográfico - Eliseu Cabral
Assistência de Maquiagem para ensaio fotográfico- Patricia Barbosa
Coordenação do Ateliê - José Rosa e Veluma Pereira
Assistência de Cenografia - Julia Munhoz
Fotografia- João Caldas
Assistência de fotografia – Andréia Machado
Fotografias de ensaio / making of – Dib Carneiro Neto e João Caldas
Programação Visual- Dib Carneiro Neto, Jussara Guedes e Suely Andreazzi
Assistente de Produção Julia Portella e Lucimara Santiago
Produção Executiva - Clissia Morais e Francisco Marques
Direção de Produção - Claudio Fontana
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