quinta-feira, 11 de outubro de 2012

A Três Atos do Fim do Mundo (RJ)

Foto: Cristina Froment

Sem saber para onde vai


“A Três Atos do Fim do Mundo” não é o que quis ser e isso está claro pela leitura do programa. Duas atrizes, Gentil e Querida, estão no camarim de um teatro na noite em que o mundo vai acabar no ano de 2012. Elas aguardam o apocalipse, enquanto percebem que seus colegas de elenco não vêm para a apresentação de “Um bonde chamado desejo”, peça em que ambas atuam. Dentro dessa situação, o que a produção divulga como intenções seriam 1) discutir a unidade dos povos, tema esse pertinente ao mundo contemporâneo; 2) construir o sensação de claustrofobia dentro desse lugar pequeno; 3) subverter o antagonismo da peça de Tennessee Williams; 4) tratar, em outros temas, sobre a existência de Deus, a velhice e a juventude, a fama, a relação humana entre pais e filhos e o teatro de um modo geral. Nada disso, porém, se concretiza em cena infelizmente na peça em cartaz no Espaço 2 do Solar de Botafogo, Rio de Janeiro. 

Para começar, a unidade entre os povos não é um tema pertinente apenas à contemporaneidade, mas já era discutido, por exemplo, na época da dominação do império romano. O lugar do homem diante da sua própria existência, esse sim, é um tema que tem aparecido em diversas obras nas últimas décadas, de Artaud a Lars von Trier. Duas atrizes, na fluidez ontológica do teatro, próximas do fim do mundo gera uma situação potente que, é uma pena, não se desenvolve na encenação escrita e dirigida por Caesar Moura. 

O cenário de Natália Lana é lindo, mas parece não ser para esse espetáculo, uma vez que não concretiza a claustrofobia anunciada. Fitas rosas e douradas caem em um chão cor de rosa decorado com pétalas vermelhas e pedaços de renda. Gaiolas coloridas e abertas trazem flores em seu interior. Uma cadeira vazada também é decorada com flores. Ou seja, tudo é aberto, fluído, livre, árcade, mas nada é, nem camarim, nem tampouco, cenário de “Um bonde chamado de desejo”. A iluminação de Paulo César de Medeiros também parece não ser para esse espetáculo porque situa focos de luz atrás das fitas, criando um fundo infinito, nada fechado, nada claustrofóbico. O figurino de Caesar Moura vai na mesma direção: pertence a uma concepção que não é a divulgada no programa. Se são duas atrizes, apenas colegas, nem amigas (uma, por exemplo, não sabe que a outra é mãe de um rapaz), não faz sentido ambas usarem roupas com os mesmos tons, com os mesmos tecidos, com a mesma textura. Além disso, se diegeticamente, são figurinos, o de Querida é equivocado porque Estela Kovalski não usaria correntes douradas e sapato alto. 

As interpretações de “A Três Atos do Fim do Mundo” não subvertem nenhum antagonismo, porque seguem na mesma linha. Diferente do anunciado, Tati Pasquali (Querida) sustenta uma interpretação tão nervosa (afetada, impostada) quanto Izabella Ribeiro (Gentil). Ambas se diferenciam de Vivian Leigh e de Glória Swanson, porque as duas segundas dosaram suas intenções exagerando apenas nos momentos certos nos filmes em que participaram. Pasquali e Ribeiro gritam durante quase todo o tempo da encenação, têm gestos fortes, sem pausas, com movimentos e expressões carregadas, apresentando um trabalho linear e monótono. 

Discussões sobre a fama, Deus e, sobretudo, a respeito da velhice (uma das personagens tem 40 anos e a outra 20) se perdem na tensão sempre exagerada da encenação, cujo ritmo é constante e, por isso, ruim. 

Há, no entanto, pontos positivos a serem destacados. O jogo dramatúrgico da troca de personagens, em que Filho e Mãe aparecem no lugar de Gentil e de Querida, é rico e bem realizado. A relação com o espectador é, dentro do exposto, bem desenvolvida. Em nenhum momento, as atrizes olham para o público, mas, no final, Izabella Ribeiro (não se entende o porquê Tati Pasquali também não o faz) encara a plateia. Ouve-se Maria Callas e seguem os aplausos finais. A metáfora com o fim do mundo, com a existência/não-existência do teatro, dos personagens, dos atores, com o apocalipse e o barulho das mãos batendo acontece e coroa positivamente o final. É pena que seja o final de um projeto que, em seu caminho percorrido, não conseguiu apontar para onde realmente queria ir. 

*

Ficha técnica:

Texto e direção: Caesar Moura
Elenco: Tati Pasquali e Izabella Ribeiro
Iluminação: Paulo César Medeiros
Cenografia: Natália Lana
Figurino: Caesar Moura e Gabriela Adler
As atrizes vestem: Monica Negreiros
Visagismo: Beto Carramanhos
Trilha sonora: Paula Leal
Sonoplastia: Alexsandro Palermo e Cesar Moura
Preparação corporal: Virgínia Maria
Preparação vocal: Dani Calazans
Programação visual: Caesar Moura
Fotografia: Daniel Seabra, Danielle Succés e Cristina Froment
Vídeo: Octopoda Filmes
Assessoria de imprensa: CMoura Assessoria
Assistente de cenografia: Laura Storino
Operação de luz: Gerson Meirelles
Operador de som: Aluísio Netto
Produção e realização: Caesar Moura e Tati Pasquali


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Bem-vindo!