terça-feira, 23 de outubro de 2012

Barco de Papel (RJ)

Foto: Rodrigo Castro

Ótimo texto em encenação nem tanto

Escrito por Maria Mariana, autora de “Confissões de Adolescente”, o texto da peça “Barco de Papel”, em cartaz na sala Rogério Cardoso da Casa de Cultura Laura Alvim, é um dos melhores exemplos de boa dramaturgia para monólogos do ano teatral carioca. O tema é a vida (da mulher) aos 40 anos quando, em alto mar, o barco já não consegue ver a margem de origem, mas ainda tem muita água pra navegar. Inteligente, ágil, simples e potente, o universo dramatúrgico dá conta de apresentar positivamente uma personagem banal a partir de um olhar bem profundo. Além do texto, no entanto, o espetáculo não oferece para o espectador os mesmos ganhos. Sem bom ritmo, após a primeira cena, o espaço cênico está poluído e poucas alternativas restam a quem começa, a partir daí, a sentir o tempo se alargar. Sem muito além para se ver, fica o teatro de joelhos diante de uma boa literatura. “Barco de Papel” tem direção e interpretação, além das concepções de cenário e figurino, sob a mesma assinatura da dramaturgia. 

Ao oferecer um ponto de vista diferente sobre algo que é comum através de uma história bem estruturada, coesa e coerente, Maria Mariana compartilha aberta e carinhosamente de si de uma forma bastante poética. Um barco está em alto mar. Para seguir viagem, é preciso que ele esteja leve e, para tanto, espaços vazios deverão surgir. É quando algumas forças começam a aparecer. Vera, a mulher sedutora; Maria Gilda, a jovem escritora; Diana, a maternal; e Marta, a espiritualista, pouco a pouco, vão se deixando conhecer e abrindo mão da viagem nesse barco que já não carece mais de suas presenças. É bonito contemplar (e identificar-se) com as várias pessoas que habitam uma única mulher, vê-las apresentarem-se e, depois, com certa dificuldade, partirem. Na vida coberta de novidades constantes, o texto contemporâneo se torna metáfora para a necessidade do desapego, essencial para não se perder o equilíbrio. Como há 20 anos, Maria Mariana, que outrora fez sucesso nacional falando de seus embates enquanto adolescente, agora, mais uma vez, merece louros por falar habilmente do princípio da meia idade. 

Falta em “Barco de Papel” um olhar mais delicado sobre os demais elementos que constroem a espetacularidade além do texto. No palco, pairam papéis espalhados, rasgados e amassados, que preenchem o espaço inteiro logo nos primeiros minutos da narrativa, pesando a imagem e fazendo negativamente cair o ritmo. Sobra para a intérprete explorar apenas o corpo e a voz, o que não é feito em profundidade. As figuras (Vera, Maria Gilda, Marta e Diana) são construídas superficialmente, com sutil alternância no registro vocal e um pobre novo desenho de corpo. A movimentação é simples, o iluminação de Fred Eça é óbvia, a trilha sonora é sem grandes momentos, o figurino é básico. Há pouco para se ver, um pouco que é discordante com o que se ouve. 

Coberto de frases impactantes que causam boas reflexões, “Barco de Papel” carece de imagens (cênicas) que sustentem o discurso verbal, oxigenando as velas do espetáculo e fazendo esse “barco” seguir viagem. Fica o mérito de um grande texto de uma grande autora novamente bem-vinda ao seu posto, lugar de onde ela, de fato, nunca deveria ter saído. 

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FICHA TÉCNICA

Texto, direção, atuação, cenário e figurino: Maria Mariana
Supervisão de direção: Domingos Oliveira
Supervisão de cenografia: Fernando Mello da Costa
Supervisão de figurino: Priscila Rozembaum.
Luz: Fred Eça
Produção: André Pessanha
Supervisão de produção: Fernando Gomes
Fotografia: André Valentim
Programação visual: Carlos Paiva

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