Foto:
divulgação
Espetáculo
perde oportunidades de ser mais profundo
“Ausência” é um belo trabalho
que, infelizmente, perde muitas chances de fugir à superficialidade. Nova (e
oitava) produção da companhia franco-brasileira Dos à Deux, responsável pelo
famoso “Fragmentos do Desejo”, o espetáculo tem uma elogiável interpretação de
Luis Melo. A ideia de centrar a narrativa em um lugar estético futurista
decadente faz a obra parecer uma vaga lembrança de filmes como “Blade Runner”,
o que lhe empobrece. A solidão, como tema central, foi o assunto das tragédias
do homem contemporâneo de Samuel Beckett e o trabalho da dupla André Curti e
Artur Ribeiro pouco lhe acrescenta. Além disso, enquanto dramaturgia,
“Ausência” fica aquém de ser uma metáfora cênica para o homem que precisa matar
quem ama para continuar vivendo. É, nada além disso, um bom trabalho de
interpretação, com positivo uso de iluminação e excelente trilha sonora.
Trata-se de um exemplo de
teatro gestual. Não há falas, mas gestos e expressão. Dentro de uma partitura
de movimentos, muitos dos quais apenas ilustrativos, Luis Melo demonstra força,
precisão, agilidade e, sobretudo, graça. O jogo de ocupar o espaço é rico pelo
conjunto de delicadezas. A cena inicial e o enterro são os melhores momentos,
uma pela sua potência significativa e a outra pela seu peso narrativo. Sem
dizer um só som, Melo diz muito com o olhar, através da forma como se situa em
relação aos demais integrantes desse espaço desolador onde seu personagem se
encontra.
A dramaturgia situa a narrativa em Nova Iorque, no ano de 2036. A cidade
está decadente e arrasada pela
radioatividade, pelo racionamento de energia elétrica e, sobretudo, pela falta
de água. O protagonista vive confinado no último andar de um arranha-céu e sua
única companhia é um peixe vermelho que vive em um aquário redondo. Neste
contexto caótico, sob a constante invasão de ratos que tomaram a cidade e do ar
irrespirável que lhe exige o uso da máscara de oxigênio até para abrir a
janela, o homem vive recluso em seu mundo particular, incapaz de enfrentar o
horror das ruas. A evolução da história se dá pela descrição desse homem e seus
afazeres diários. O único conflito aparece no ápice, quando ele é rapidamente
resolvido, conduzindo a diegese para a finalização. O assunto, assim,
“mastigado demais” perde a força e, enfraquecido, pouco sensibiliza.
O cenário de Fernando Mello da Costa,
ao querer expressar um ambiente hostil, recortado por um emaranhado de canos e registros
que se cruzam em todas as direções para fornecer ao protagonista a assustadora
ração diária de apenas uma gota d’água, faz infantilizar a fruição, sem
enriquecer a narrativa. O mesmo se diz do figurino de Ticiana Passos. Os bons
momentos, porque fortalecem a solidão sem ilustrar (ou ambientalizar apenas),
se encontram no desenho de iluminação de PH e de Artur Ribeiro e, sobretudo, na
magnífica trilha sonora original de Fernando Mota (escute aqui).
Ausência será o primeiro trabalho do grupo com estreia
mundial no Brasil, somando-se aos
espetáculos ‘Dos à Deux’ (1998),
‘Je suis Bien, moi?’ (2000), ‘Fulyo’, ‘Aux pieds de la lettre’ (2001), ‘La Nuit des Cercles’ (2003), ‘Saudade em terras d’água’ (2005) e ‘Fragmentos do desejo’ (2009), que formam o repertório
permanente da companhia e têm sido apresentados em mais de 47 países, sempre
com grande sucesso de público e crítica. Por Luis Melo e Fernando Mota, vale a
pena ver.
*
Ficha técnica:
Ausência - Cia Dos à Deux
Dramaturgia, direção e
concepção: André Curti e Artur
Ribeiro
Interpretação: Luis Melo
Música original: Fernando Mota
Acessórios, peruca e
maquiagem: Maria Adélia
Cenografia: Fernando Mello da Costa
Iluminação: PH e Artur Ribeiro
Figurinos: Ticiana Passos
Design gráfico: Roberta Freitas
Fotos: Renato Mangolin
Design gráfico: Roberta Freitas
Fotos: Renato Mangolin
Cenotécnica: Dodô Giovanetti
Pintura de texturas: Ana Paula Cardoso
Assistência acessórios: Álvaro Mendeburu
Assistência pintura texturas: Clara Feijó
Operação de luz: PH
Operação som: Luciano Siqueira
Produção executiva: Joana do Carmo e Patricia Nascimento
Equipe de produção: Alex Nunes, Augusto Oliveira, Fabiana Vilar, João Eizo, Letícia Suevo, Letícia Verônica, Pedro Yudi e Roberto Jerônimo
Equipe de produção: Alex Nunes, Augusto Oliveira, Fabiana Vilar, João Eizo, Letícia Suevo, Letícia Verônica, Pedro Yudi e Roberto Jerônimo
Direção de Produção na França: Nathalie Redant
Direção de produção: Sérgio Saboya
Olha só que surpresa. Achei que tínhamos uma mesma linha de raciocínio e análise, mas que bom que discordamos, dessa vez não concordo com 80% da sua crítica.
ResponderExcluirInfinitas possibilidades de interpretação, cada coisa poderia ser várias outras.Me tocou profundamente o espetáculo. Numa palavra; SUFOCANTE. Impossível gritar BRAVO ao final! Direção excepcional, perfeita iluminação, cenário a favor da cena, trilha sonora fantasticamente grandiosa, ótimo uso da cenografia e figurinos e todos os adjetivos elogiosos possíveis para AUSÊNCIA num todo, um porém para o ator que poderia estar mais apropriado, mais a vontade e cenicamente ambientado, talvez menos ilustrativo, mas uma vez que não há texto, é bom tê-lo dessa forma.
Tocado, volto a dizer, que bom discordar de ti.
Abs.
Guggo Morales