quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Antes que você parta pro teu baile (RJ)

Foto: divulgação

Sem força      

"Antes que você parta pro teu baile" é um esforço cênico de dar corpo para as palavras da poeta carioca Ana Cristina César (1952-1983). O espetáculo está em cartaz no aconchegante Ponto de Cultura Jorge Amado, situado no apartamento onde morou o escritor baiano. Dirigido por Isadora Bellavinha e por Lucas Castelo Branco, o espetáculo é melhor lido como atualização do gênero pós-dramático (Lehmann) ou do teatro contemporâneo (Rygaert), o que, no programa, é chamado de “poesia cênica”. O resultado é vazio, porque hermético demais, ficando infelizmente aquém da literatura. Enquanto teatro, as sucessões de imagens permanecem distantes, de forma que é possível pensar que, no caso dessa encenação, o teatro teve pouco a dizer.

O pós-dramático se diferencia essencialmente do dramático pela forma como encadeia os fatos que narram uma história ou que dissertam sobre um tema. Enquanto no segundo, as sequências estão logicamente organizadas, geralmente, de forma ascendente até um clímax, no primeiro não há lógica que estruture o todo. Ou melhor, a lógica é externa a obra, isto é, uma opção subjetiva, própria do olhar do espectador. É isso que vemos em "Antes que você parta pro teu baile": uma sequência de ações que, por sua vez, se dá a ver a partir de elementos sobrepostos sem uma regra que lhes seja sua. Exige-se, então, do espectador mais do que no teatro tradicional, pois ele tem responsabilidades com o que vê. O problema do resultado da proposta é que não há instrumentos capazes de possibilitar a identificação do tema dissertado ou da história contada. Os elementos positivamente divergem entre si (no teatro tradicional, os elementos convergem), mas o centro de onde eles partem é inaparente. Qual é ele? A dramaturgia, na hora em que justaposicionou os versos, não deixou claro a escolha por um tema, parte ou momento. A fruição acaba tão fluída quanto a encenação.

No programa, o espetáculo se autodefine assim:

“Antes que você parta pro teu baile” é o convite pra uma festa sem anfitrião, o olhar e a dobra, uma leitura possível e estrábica. Qualquer coisa parecida com a intimidade, mas outra. Muitas cirandas, estafas, ou borboleta que entra transparente e posa com trejeitos de cartão postal. Quando o corpo é palavra, só falamos em veias e músculos, abrindo goteiras pela sala.”

Ou seja, apresenta-se pela sua não-apresentação, escondendo-se. A mera justaposição de palavras forma um todo semântico interessante, mas, sobretudo do ponto de vista teatral, sensível demais, principalmente por causa da sua dificuldade de impressão de ritmo.

Dai Fiorati, Lucas Nascimento e Rodrigo Abreu apresentam bons trabalhos de interpretação. Em Fiorati e em Abreu, nota-se sensibilidade bem conduzida em corpos disponíveis. Nascimento, apesar de parecer centrar sua imagem no uso cigarro, constrói imagens potentes, fortes, construindo no olhar alguns grandes momentos da encenação. Bruna Félix, apesar de ter oportunidades, não mobiliza de si instrumentos que a destaquem enquanto intérprete.

Isadora Bellavinha e Lucas Castelo Branco se aproveitam do espaço e oferecem lugar rico para a encenação. Visto da plateia, o fundo do palco são inúmeras janelas de prédios que existem fora da narrativa. Em cada apartamento, moram pessoas, famílias alheias ao que está acontecendo. Eis aí uma imagem potente. Nos figurinos de Samara Niemeyer e da diretora, são positivos o vestido amarelo de Fiorati, assim como os figurinos de Nascimento e de Abreu porque, bem acabados, não entravam a fruição. A iluminação delicada de Lucas Castelo Branco e a direção musical de Gabriel Carneiro, de Rafael Fortes e de Tomas Gonzaga são elementos bem usados na medida em que oferecem caminhos para a interpretação dos atores sem serem nem redundantes, nem ilustrativos.

Com méritos enquanto trabalho de pesquisa, "Antes que você parta pro teu baile" carece de força que o teatro poderia ter dado à poesia de Ana C., essa só já bastante forte.

*

 FICHA TÉCNICA

Direção: Isadora Bellavinha e Lucas Castelo Branco
Dramaturgia: Isadora Bellavinha
Orientação teórica: Manoel Ricardo de Lima
Direção musical: Gabriel Carneiro, Rafael Fortes e Tomas Gonzaga
Cenário: João Ney Castelo Branco
Figurino: Samara Niemeyer e Isadora Bellavinha
Concepção de iluminação: Lucas Castelo Branco
Elenco: Bruna Félix, Dai Fiorati, Lucas Nascimento e Rodrigo Abreu
Produção: Daniel Uryon e Helena Castro
Apoio: UNRIO e Rafael Moraes

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