sexta-feira, 5 de junho de 2015

O grande livro dos pequenos detalhes (RJ/Portugal/Inglaterra)

Cláudia Gaiolas, Thiare Maia Amaral, Michel Blois e Paula Diogo
Foto: Carlos Caberá

Ótimo espetáculo vai na contracorrente da programação carioca




Em “O grande livro dos pequenos detalhes”, o espectador de teatro carioca estará novamente diante de um bom espetáculo pós-dramático como desde “Adeus à carne” (dirigido por Michel Melamed em 2012) não se via por aqui. A produção é resultado de um projeto de residência que, em dois meses, propiciou a troca de experiências entre os atores brasileiros Michel Blois e Thiare Maia Amaral, as atrizes portuguesas Cláudia Gaiolas e Paula Diogo e o dramaturgo inglês Alexander Kelly. No palco do teatro Oi Futuro, no Flamengo, na zona sul do Rio de Janeiro, cada coisa que se vê e se ouve traz um significado diferente e que muitas vezes é contraditório. O público precisa estar preparado para assumir a responsabilidade pelas conexões que faz e os méritos pelo sentido que dá à peça. A produção merece aplausos.

O espetáculo pode ser dividido em duas partes. Na primeira, quatro pessoas são integrantes de um “Departamento de Clarificações e Distrações” e se reúnem para analisar ideias que possam oferecer à população em massa algum tipo de poesia diária. Eles querem fazer com que elas possam olhar para outras coisas que não sejam apenas seus próprios problemas. Embora as relações entre eles deixam ver uma estrutura militar de grupo, o público vê que os personagens estão em um camping. Antes que isso faça sentido, vários objetos, além do vestuário, avisam que não se tratam de férias, bem como não é propriamente uma reunião de trabalho: uma máquina de fazer pipoca, um teclado e um monitor através do qual uma das integrantes acompanha os movimentos de seu bicho de estimação em casa, por exemplo. Ou seja, quando a união dos elementos parece que vai dar sentido para o quadro como um todo, outra informação surge e desestabiliza a relação entre plateia e narrativa. Esse é o jogo: discutir a segurança de concepções pré-realizadas e o modo como elas atrapalham o mundo de hoje na vivência de novas sensações.

Na segunda parte, Laura Pacheco (Cláudia Gaiolas) é uma locutora de trânsito de rádio. Um dia, depois de dar notícias inventadas por ela própria e causar um caos no movimento da cidade, ela desaparece. David (Michel Blois) e Juliana (Thiare Maia Amaral) foram duas pessoas que tiveram seus planos afetados pela notícia veiculada e resolvem ir atrás da responsável pelo mal feito. Quanto mais o roteiro avança pela investigação policial, mais o absurdo emerge do excesso de relações de causa e de efeito em que o acontecimento parece estar estruturado. Assim como inicia, “O grande livro dos pequenos detalhes” termina impedindo que o público tenha certeza de suas conclusões sobre o que viu. E há muitos momentos da vida sobre o quais nada é possível concluir.

As interpretações de Michel Blois (Paladin e David), Paula Diogo (Electra, Recepcionista, Porteiro, Namorado, Motorista de ônibus, Taxista e Professor), Thiare Maia Amaral (Loki e Juliana) e de Cláudia Gaiolas (Daphne e Laura Pacheco) vencem o desafio de dar a impressão de que o texto faz parte de uma estrutura harmônica (quando na realidade não faz). De fato, essa sensação constrói o incômodo inicial que, por sua vez, há de construir e manter toda a insegurança que o teatro pós-dramático pauta. Os tipos são engraçados, mas é possível captar sugestões de complexidade que talvez haja. O mérito está na manutenção da dúvida, essa uma tarefa difícil sobretudo em se tratando de intérpretes cujo talento é renomado como é o caso.

A produção tem ainda outros elementos com usos elogiáveis. O cenário de Elsa Romero parte do caos para construir um quadro harmônico em sua desconexão. O desenho de luz de Wagner Azevedo pinta uma poética como se desse um alento à plateia má acostumada com narrativas mastigadas. A trilha sonora faz a narrativa vibrar enquanto leva a história para outro lugar no tempo, esse não muito definido. Os figurinos, o aspecto mais elogiado nesse nível, atuam junto com a dramaturgia na construção de um contexto divergente e por isso vivo.

Se, com uma mão, leva para a redundância e para a coerência, com a outra joga, o espectador para um terrível lugar onde dois mais dois não é quatro. “O grande livro dos pequenos detalhes” é uma ilha na programação de teatro do Rio de Janeiro, oferecendo com qualidade algo que vai na contracorrente. Viva!!

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FICHA TÉCNICA

Criação e Direção: Cláudia Gaiolas (PT), Michel Blois (BR), Paula Diogo (PT) e Thiare Maia Amaral (BR)

Dramaturgia: Alexander Kelly (ING)

Elenco: Cláudia Gaiolas / Keli Freitas, Michel Blois / Guilherme Dellorto, Paula Diogo e Thiare Maia Amaral

Iluminação: Wagner Azevedo

Tradução e Revisão: Alex Cassal e Joana Frazão

Cenário: Elsa Romero

Programação Visual: Felipe Braga

Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti

Mídias Sociais: Marina Murta

Fotografia: Carlos Cabéra

Filmagem: Marina Murta e Marina Cavalcanti

Operação de luz: Nina Balbi

Montagem de luz: Mauro Luis

Assistência de cenografia: Jefferson Ribeiro

Contrarregragem: Fernando Blauth Klipel

Costura do cenário: Claudia Phoenyx

Cenotecnia: Carlos Elias

Direção de Produção: Michel Blois e Natasha Corbelino

Realização: Nome da Firma Produção e Comunicação Ltda


       

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