segunda-feira, 8 de junho de 2015

Gotas d’água sobre pedras escaldantes (SP)

Luciano Chirolli, Gilda Nomacce, Felipe Haidar e Nana Yazbeck
Foto: Laura Del Rey



Grupo paulista defende texto juvenil de Fassbinder



“Gotas d’água sobre pedras escaldantes” (“Tropfen auf heisse Steine”) foi escrita pelo alemão Rainer Fassbinder (1945-1982) quando esse tinha dezenove anos, em 1964. Produzida em 2014, a montagem com direção assinada por Rafael Gomes, através da Cia Empório de Teatro Sortido, participou da noite de abertura do Festival Cena Brasil Internacional, que está acontecendo no Centro Cultural do Banco do Brasil, no centro do Rio de Janeiro, desde a última quarta-feira, 3 de junho. Com destaque para os ótimos trabalhos de interpretação de Luciano Chirolli e de Gilda Nomacce, a peça tem ainda excelente contribuição do cenário de André Cortez, do figurino de João Pimenta e da trilha sonora. Negativamente, os diálogos longuíssimos aparecem em ritmo distendido demais, o que tira a força das cenas e compromete a narrativa como um todo. Do mesmo grupo, “Música para cortar os pulsos”, de 2010, segue sendo o grande espetáculo de seu repertório.


Nunca produzida por seu próprio autor, a peça reapareceu depois de uma publicação de 1991 que antecedia os dez anos de falecimento de Fassbinder. Desde então, o texto vem recebendo montagens internacionais além de uma versão cinematográfica, assinada pelo parisiense François Ozon, em 1999. Essa é a primeira montagem brasileira. De fato, a dramaturgia tem problemas. Apesar das boas interpretações, Luciano Chirolli e Felipe Haidar só despertam algum interesse com muito esforço. Eles interpretam respectivamente o bem sucedido Leopold e o aspirante a ator Franz, que se conhecem não sabe como, mas que passam a viver um romance apesar de sua larga diferença de idade e das muitas ausências do primeiro, sempre envolvido com seu trabalho. Aos poucos, a relação de poder entre os dois fica clara, mas não se alterna como o prometido. São raras as vezes em que Franz (Haidar) assume o poder da situação. Embora ele não saiba a princípio, está, na verdade, repetindo o drama vivido por Vera (Gilda Nomacce), ex-namorada de Leopold e bastante ligada a ele. Reforçando a falta de jogo da narrativa, Franz não repete com Anna (Nana Yazbeck), sua ex-namorada que reaparece no momento de crise, o comportamento de Leopold. Assim, o excesso de linearidade que se vê na manutenção constante do poder absoluto do personagem mais velho, ainda mais prejudicada pelas cenas longas que estruturam a história, pesam a responsabilidade da encenação negativamente.

Assistida por Thiago Leidier, a direção de Rafael Gomes se esforça meritosamente em dar a ver a tensão existente entre os personagens apesar do texto. Essa parece ser a intenção das pausas, do foco na solidão de Franz e nas marcas de Vera, abraçada à parede cenográfica nos seus melhores momentos. Isso caminho para os bons trabalhos de interpretação do elenco em conjunto. Nana Yazbeck não atrai luzes por sobre sua personagem, apresentando uma Anna infantilizada e quase nada sensual. Felipe Haidar deixa ver poucas marcas de uma possível complexidade do seu personagem. Nomacce, fazendo principalmente do uso da voz o elemento capaz de pontuar sua pequena participação na peça, brilha. Em todos os momentos, Luciano Chirolli domina a cena em performance envolvente que, repleta de subtextos, oferece níveis diversos de fruição.

O cenário de André Cortez expressa um ambiente íntimo e frio ao mesmo tempo. O fato da plateia ter acesso apenas à parte do apartamento onde a narrativa acontece ajuda a construir um contexto voyeur de fruição da história. Por outro lado, o amplo uso do bege, a falta de personalidade das paredes e dos móveis e a opção por não usar bebidas e comidas de verdade mas apenas seus códigos expressam a falta de particularidade dessa relação quanto às anteriores de Leopold. “Gotas d’água sobre pedras escaldantes” merece elogios pelos figurinos de João Pimenta, ricos em cada detalhe; pelo desenho de luz de Wagner Antônio, útil na criação da atmosfera realista a partir da qual a encenação surge; e pela trilha sonora, capaz de representar vivacidade através de escolhas atemporais.

Do mesmo autor do célebre “Lágrimas amargas de Petra Von Kant”, esse juvenil “Gotas d’água sobre pedras escaldantes” ainda exibe um Rainer Fassbinder muito influenciado pelo melodramático Douglas Sirk, bastante distante de sua estética niilista que lhe conferiu notoriedade. É interessante conhece-lo assim.




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Ficha técnica:

Texto: Rainer Werner FAssbinder

Direção: Rafael Gomes

Assistência de direção: Thiago Ledier

Atores: Luciano Chirolli, Gilda Nomacce, Nana Yazbeck e Felipe Haidar

Produção: Euforia Produções, Substância Filmes e Outras Misturas e Complementar Produções

Direção de produção: César Ramos

Produtor executivo: William Costa

Preparação corporal: Fabrício Licursi

Projeto gráfico e fotografia: Laura Del Rey

Figurino: João Pimenta

Cenário: André Cortez

Assistente de cenografia: Fernanda Ocanto

Cenotécnico: Maurilio Dias

Iluminação: Wagner Antonio

Operação de som: Renan Almeida

Operação de luz: Robson Lima

Patrocínio: Construcap.



Realização: Instituto Capobianco e Ministério da Cultura

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