quinta-feira, 25 de junho de 2015

Estamos indo embora (RJ)


Foto: divulgação

Julia Lund e Márcio Machado


Luiz Felipe Reis estreia no teatro com espetáculo sobre a preservação da espécie

“Estamos indo embora” marca a estreia como dramaturgo e como diretor do jornalista Luiz Felipe Reis, editor de teatro do Segundo Caderno, no jornal O Globo. Constituído pela justaposição de quadros cênicos, o espetáculo trata da possível extinção da vida humana na Terra a partir das ações inconsequentes do homem. Com Márcio Machado e Julia Lund no elenco, o espetáculo encerrou sua primeira temporada no último final de semana no Mezanino do Espaço SESC Copacabana. O projeto nasceu de uma pesquisa que busca relacionar as artes cênicas ao tema do Antropoceno – um termo cunhado pela comunidade científica e que define a era geológica iniciada após a Revolução Industrial. Com mais méritos sociais do que propriamente estéticos, o espetáculo precisa ser visto porque oferece uma reflexão essencial sobre o comportamento do homem quanto à preservação do meio ambiente.

Dois atores cruzam o palco coberto de fumaça branca enquanto se repetem projeções em vídeo de enormes geleiras derretendo. A abertura de “Estamos indo embora” revela, dessa forma, suas intenções: falar sobre o futuro do homem diante das prospecções dos cientistas quanto à vida no planeta Terra. Márcio Machado e Julia Lund interpretam, em seguida, dois cientistas: um disposto a alarmar a humanidade quanto à perigosa mudança climática e o outro preparado para acalmar os ouvintes frente às teorias apocalípticas dos ecologistas. Em termos de análise de dramaturgia, o interessante desse início da peça é identificar como os argumentos se organizam para equilibrar as forças e para anular a possibilidade de um vencedor final na disputa. Em seguida, já sem contornos tão claros, há a fusão das figuras defendidas por Lund e por Machado em um só lugar discursivo. Com participações alternadas, eles já não jogam entre si, mas apenas na exposição das ideias do texto com o público. Nesse trecho, “Estamos indo embora” passa a ser uma catequese sobre como o mundo ficará horrível se cada um (e cada sociedade também) não fizer algo positivo em relação ao meio ambiente. Por fim, Machado e Lund apresentam um homem e uma mulher que conversam sobre um bebê que a personagem dela espera. O diálogo entrecortado e substancialmente preenchido por silêncios constrói um quadro formado pela negação do conflito (ou a mais provável interiorização dele). Em outras palavras, é possível pensar que a humanidade daqueles que fugiam por entre as geleiras na abertura derreteu por completo e só resta, nesses humanos, o vazio particular. (Essa interpretação favorece a peça no sentido de oferecer a ela a chance de ser sobre algo mais que a defesa do meio ambiente.) Situado em algum ponto no futuro nessa cena, possivelmente o fim do século XXI (quando se completarão 500 anos da escritura de “Hamlet” e a população mundial chegar a quinze bilhões), a peça “Estamos indo embora” termina cumprindo uma função mais educativa do que propriamente estética.

No que se refere às interpretações, Márcio Machado e Julia Lund dizem o texto com relativa clareza, construindo as palavras com o que lhes é possível dentro de uma dramaturgia intencionalmente tão fria, tão sem personalidade e tão pouco teatral. Os figurinos de Antônio Guedes auxiliam na articulação dos atores com os vídeos concebidos por Julio Parente, oferecendo um quadro que é coeso e coerente na sua apresentação ao público. A trilha sonora de Luiz Felipe Reis e de Thiago Vivas e a iluminação de Alessandro Boschini agem no mesmo sentido positivamente.

Idealizado pela Polifônica Cia., em “Estamos indo embora”, o desafio do encenador consistiu em envolver elementos poucos dramáticos através de um conceito capaz de criar campo propício para a construção da teatralidade. Por fugir do mais fácil, vencendo essas barreiras e por investir em algo que pudesse ser significativo socialmente, Luiz Felipe Reis está de parabéns. Reflexões como as que esse espetáculo provoca são fundamentais hoje em dia e merecem ser valorizadas também pelo teatro.

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FICHA TÉCNICA
Direção e dramaturgia: Luiz Felipe Reis
Atuação: Julia Lund e Márcio Machado
Interlocução artística e dramatúrgica: Julia Lund e Patrick Sampaio
Criação visual e projeções: Júlio Parente
Direção de movimento: Luar Maria e Toni Rodrigues
Direção musical e sonora: Luiz Felipe Reis e Thiago Vivas
Iluminação: Alessandro Boschini
Figurino: Antônio Guedes
Assistente de figurino: Renata Mota
Cenotécnicos: Fernanda Tomás e José Baltazar
Fotografia: Leo Aversa
Still: Diana Herzog
Programação visual: Jair de Souza Design (Jair de Souza e Rodrigo Barja)
Hairstylist: Anderson Couto
Make: Gabriel Ramos
Direção de Produção: Sérgio Saboya (Galharufa Produções)
Produção Executiva: Maria Albergaria
Idealização, coprodução e realização: Polifônica Cia. (Julia Lund e Luiz Felipe Reis)

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