quarta-feira, 27 de maio de 2015

Família Lyons (RJ)


Foto: divulgação

Suzana Faini e Emilio Orcciolo Netto

O melhor Nicky Silver brasileiro


“Família Lyons” é mais um excelente espetáculo entre as melhores produções teatrais desse primeiro semestre de 2015. Inédito no Brasil, o texto é do americano Nicky Silver, mestre do humor negro nas comédias contemporâneas. A história traz luz ao fato das gerações mais antigas ainda terem o que ensinar aos mais jovens e que jovialidade e coragem nada têm a ver com idade. Dirigida por Marcos Caruso, a peça tem no elenco Suzana Faini, Emilio Orciollo Netto, Zulma Mercadante, Pedro Osório, Rose Lima e Rogério Fróes em um conjunto com ótimas interpretações em que se destaca a brilhante atuação de Faini como a protagonista. A comédia está em cartaz no Teatro Glaucio Gill, em Copacabana.

Lançada em Nova Iorque no final de 2011, a montagem de estreia recebeu indicações aos prêmios mais importantes do teatro americano. Aqui não deverá ser diferente. A história começa em um leito hospitalar onde Ben Lyons (Rogério Fróes), tomado pelo câncer, vive seus últimos dias. Ao seu lado, sua esposa Rita (Suzana Faini) decide a decoração de sua nova sala. Então, chegam a filha Lisa (Zulma Mercadante) e o filho Curtis (Emilio Orciollo Netto) que, até o momento, não sabiam da doença sofrida pelo pai. A iminência da morte de Ben coloca os filhos em uma situação conflituosa, espantando a naturalidade com que o casal encara o fato. A partir disso, o espectador conhece os meandros dessas relações e, através delas, o universo de cada personagem. Com habilidade, o texto fluentemente traduzido por Juliana Burneiko conserva os elogios já feitos a Nicky Silver por seus célebres “Pterodáctilos”, “Os Altruístas”, “Criados em Cativeiro” e “Adorável Garoto” que temos visto por aqui. O humor extremamente ácido, os lugares sensíveis em que os personagens se encontram diante de situações banais e as complexas relações familiares aproximam o autor do absurdo de Edward Albee de “Quem tem medo de Virgínia Woolf?” e de “A peça do casamento”. Lá como aqui os personagens estão abandonados, embora os protagonistas de Silver ainda consigam brincar com essa problemática.

A fluidez da encenação facilmente se identifica pelo modo com que o autor e o diretor apresentam os personagens e a situação, essas evoluindo das questões mais superficiais às mais complexas. A mãe judia, o pai em estado terminal, a filha desequilibrada e o filho homossexual dão lugares às figuras mais humanas por trás de cada estereótipo positivamente. A gargalhada mais fácil na recepção vai dando lugar a um riso mais nervoso ao longo da narrativa em excelente direção. Pelas vias mais difíceis, “Família Lyons” vai galgando lugar de destaque à medida que a história avança. Como em Albee, no final, quando já não resta outra coisa para esses personagens, eles precisam enfrentar a realidade. O público, em desafio similar, sai com esse convite também. Nesse sentido, mas também porque não cria maiores entraves ao texto e deixa-o acontecer livremente, a direção de Marcos Caruso merece ovações!

Rose Lima (Janete), Pedro Osório (Corretor de Imóveis) e Zulma Mercadante (Lisa) apresentam bons trabalhos de interpretação, mas Emilio Orcciolo Netto (Curtis), Rogério Fróes (Bem) e principalmente Suzana Faini (Rita) se destacam. Netto mobiliza os trejeitos do estereótipo para dar a ver um personagem que interpreta a si mesmo diante da família, mas que aos poucos se vê desolado diante da própria solidão. Fróes luta “o bom combate” com Faini, mantendo, na pontualidade dos poucos diálogos, o jogo em excelente nível. Suzana Faini, com merecidos aplausos em cena aberta, conduz a narrativa com a acidez pela qual Nicky Silver é conhecido. O modo realista de dizer as falas, as intenções bem delineadas e as voltas que seu personagem faz na narrativa garantem o ritmo qualificado dessa excelente dramaturgia. É vibrante!

“Família Lyons”, que tem bela contribuição da cenografia de Alexandre Murucci, do figurino de Patricia Muniz, da iluminação de Felipe Lourenço e da trilha sonora original de Marcelo Alonso Neves, viabiliza-se através da fluidez com que essas participações se relacionam com o texto e com as interpretações. Se, de um lado, sua modéstia corrobora com um ritmo ágil de que precisa a comédia, de outro, ela confere ao espetáculo como um todo elegância e valor estético.

O remédio tarja preta que ilustra bem a arte da montagem brasileira de “Família Lyons” é também um certo tipo de estímulo químico ao corpo que desaprendeu a produzir por si só as enzimas capazes de equilibrar nosso humor diante do complexo mundo contemporâneo. Se há corpos que acabam nunca reaprendendo a fazer sozinhos a sua parte, talvez o de Curtis seja um deles. Quem assistir à peça talvez perceberá que um reencontro dele com Ernest está intimamente ligado à sua recuperação. Eis aqui um espetáculo excelente!!

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Ficha técnica
Direção Artística: Marcos Caruso
Elenco: Suzana Faini, Emilio Orciollo Netto, Zulma Mercadante, Pedro Osório, Rose Lima e Rogério Fróes
Tradutor: Juliana Burneiko
Cenário: Alexandre Murucci
Figurino: Patrícia Muniz
Iluminador: Felipe Lourenço
Fotografia: Paula Kossatz
Direção de Produção: Claudio Rangel
Produtores Associados: Alberto Bardawil, Claudio Rangel e Zulma Mercadante
Realizaçäo: Will Marketing Comunicaçäo Produçäo
Direção Musical: Marcelo Alonso Neves
Projeto Gráfico: Felipe Taborda
Assessoria de Imprensa: Luiz Menna Barreto

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