sábado, 6 de junho de 2015

Bicho (RJ)

Pedro Nercessian
Foto: divulgação


Explosão estética dirigida por Georgette Fadel


Idealizado por Jean Machado, o espetáculo “Bicho” é resultado de um processo colaborativo entre o escritor André Sant’Anna, a diretora Georgette Fadel e o elenco composto por Pedro Nercessian, Eduardo Speroni, Davi Guilherme além de Jean. Em cartaz no Centro Cultural da Justiça Federal, na Cinelândia, a produção é uma explosão estética que, sendo recorrente nos espetáculos mais célebres do encenador paulista José Celso Martinez Corrêa, é rara por aqui infelizmente. Vale a pena ver.

Pedro (Jean Machado), um estudante de teatro em trabalho de elaboração de uma peça, se encontra com Vicente (Eduardo Speroni), um garoto de programa, para entrevistá-lo. Vicente divide apartamento com Laisa (Pedro Nercessian), uma transexual, e com um Mendigo (Davi Guilherme). Nos diálogos, alguns bem longos, teses sobre deus, sexualidade, drogas e sociedade veiculam o pensamento de cada personagem, por vezes, pondo-os em choque no se refere aos valores éticos e morais. Ao longo da narrativa, o foco recai primeiro sobre Vicente, depois sobre Laisa e, por fim, sobre Pedro, cada um revisitando sua própria história na medida em que precisa contar de si para si antes de contar de si para o visitante. Resultado de uma complexidade que torna o homem humano – e assim distante dos bichos –, o discurso pessoal tem o mérito de acontecer em cena com grande força poética, dispondo de diversos signos cuja articulação torna esse espetáculo merecedor dos aplausos.

Na encenação, o objetivo fica claro rapidamente: de alguma forma, os três personagens são estruturas por entre as quais a narrativa irá andar. O aspecto sexual, representado pelo garoto de programa Vicente (Eduardo Speroni), é o mais superficial desse ponto de vista sobre o ser humano que a peça argumenta. Ao interpretá-lo com exuberante força, o ator surge trazendo um tom bastante elevado à peça que é normalmente perigoso para uma abertura. No entanto, enfrenta bem o desafio de se apagar ao longo da narrativa, permitindo o equilíbrio possível. Dono de um dos momentos mais bonitos da encenação (em que dubla a canção “Hajri Ma Te Diki”, interpretada pela cantora macedônia Esma Redzepova), Pedro Nercessian assina Laisa, pautando sensivelmente as feridas que o ser humano traz – e produz – na sua existência. Em belíssimo trabalho de interpretação, Nercessian deixa ver que, embora sua transexual veja o mundo de cima, ela também tem suas dores. Por fim, o personagem Pedro, representado por Jean Machado, sintetiza com sensibilidade os dois pólos e apresenta um terceiro: talvez nem homem preso a terra, nem deus preso aos céus, mas pássaro que voa no caminho do meio. Ainda que a desmedida faça com que o ritmo caia vertiginosamente em alguns momentos, a direção de Georgette Fadel tem o mérito de estruturar a encenação pela providência de signos que mantêm o interesse pelo quadro como um todo.

O cenário de Richard de Mattos deixa ver bem um lugar repleto de referências culturais que pode ser uma metáfora para a grande cidade em que esses personagens vivem. A poluição sonora e visual do ambiente se esforça para esmagar o ser humano que mora ali, fazendo com que a força empregada para vencer essa batalha seja tema da encenação também. O figurino de Juliana Prado auxilia na apresentação dos personagens e a luz de Felipe Couto na dos momentos da narrativa. A direção musical de Davi Guilherme, parcialmente interpretada ao vivo, sugere aproximações com o universo mais religioso ou com o mais mundano, valorizando o tom ritualístico através do qual o espetáculo foi concebido para se apresentar.

Verborrágico, o texto negativamente se alonga na medida em que se repete, trazendo desafios à encenação e à fruição. Seu maior mérito, porém, está na pauta das relações do homem com sua própria espécie. Ao preferir muitas vezes se relacionar com deus, o homem recusa o exemplo dos animais e talvez se aproxime de uma cópia mal feita deles: bicho. É bom encontrar espetáculos como esse por aqui.

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Ficha Técnica:

Texto: André Sant'Anna
Direção: Georgette Fadel

Elenco:
Eduardo Speroni
Davi Guilhermme
Jean Machado
Pedro Nercessian

Assistente de direção: Leonardo Rosa
Cenário: Richard de Mattos
Figurino: Juliana Prado
Iluminação: Felipe Couto
Direção musical: Davi Guilhermme
Direção de produção: Pedro Cadore
Produção executiva: Jean Machado
Assessoria de imprensa: João Luiz Azevedo

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