Foto: Guga Melgar
Rafael Canedo, Tuca Andrada, Helder Agostini e Mário Borges |
Uma divertidíssima crítica social
“O olho azul da falecida” (“Loot”, no original) terminou sua feliz primeira temporada no Rio de Janeiro no último domingo, dia 21 de junho, mas voltará para uma segunda na Sala Fernanda Montenegro do Teatro Leblon. Escrito por Joe Orton (1933-1965), o texto lançado em 1965 foi considerado o melhor do teatro londrino em 1966. Essa é a segunda montagem dele assinada pela Cia Limite 151, sucedendo outra de três anos atrás dirigida por José Henrique e com Elcio Romar, Genézio de Barros e Marco Pigossi nos papéis principais. Com as excelentes interpretações de Mário Borges, Tuca Andrada e de Rafael Canedo, além de Gláucia Rodrigues, Helder Agostini e de Johnny Ferro no elenco atual, a montagem atual é dirigida brilhantemente por Sidnei Cruz. Eis aqui uma comédia deliciosa com uma crítica feroz à Igreja Católica, aos valores sociais hipócritas e ao governo público no melhor daquele que também é autor do célebre “Entretendo o Sr. Sloane”, além do recentemente produzido no Rio “O que o mordomo viu”.
O melhor da história é identificar como a crítica social vai se tornando cada vez mais óbvia ao longo da narrativa. Traduzida por Bárbara Heliodora (1923-2015), a peça começa com a diálogo da Enfermeira Fay McMahon e do Viúvo McLeavy sobre os detalhes do sepultamento da falecida. Aí estão dados os valores aparentemente cultivados pelos personagens a partir dos quais eles devem ser julgados: a moral católica, a confiança nas instituições públicas e as relações pessoais como oportunidade para o cumprimento do dever. O espectador fica logo sabendo que há algo de incomum na relação que a Enfermeira tem com seu patrão e nos seus objetivos para com a família. Os rapazes Harold (Hal) McLeavy e seu melhor amigo Dennis aparecem apresentando um contraponto com a geração mais velha. Seus valores são outros: o modo como veem o sexo é mais livre, legalidade e ilegalidade são conceitos difusos e a religião tem outras funções para eles. Pai e Filho McLeavy têm características que lhes trazem problemas: a extrema confiança depositada no governo por parte de um e a incapacidade de mentir por parte de outro. Na outra ponta, McMahon e Dennis se se aproximam também. O elemento catalisador da narrativa é o Investigador Truscott, que chega para investigar um recente assalto ao banco da cidade, mas acaba encontrando informações estranhas acerca da morte da Sra. McLeavy. Quanto mais a história avança, mais engraçados ficam os caminhos encontrados pelos personagens para se salvar. E é nesse contexto de conflito que Joe Orton apresenta a sociedade nessa ótima comédia: com estruturas muito sensíveis para encarar a complexidade contemporânea.
A direção de Sidnei Cruz é esplêndida. É visível que todos os esforços da encenação são dispostos para privilegiar o texto e para dar a oportunidade a Orton de chegar à nós na sua melhor possibilidade. O ritmo fica veloz na medida em que a narrativa abandona a fase de apresentar o contexto e passa a modificá-lo. A articulação dos fatos da narrativa consegue meritosamente o feito de dar importância ao vaudeville, mas ir além: deixar ver a crítica. O mesmo se pode dizer das interpretações. Helder Agostini (Dennis) e Gláucia Rodrigues (Fay McMahon) fazem bons usos das palavras e dão corpos interessante às figuras, mas Tuca Andrada (Truscott), Rafael Canedo (Hal) e principalmente Mário Borges (McLeavy) estão excelentes. No conjunto, a história baila por entre os intérpretes sob o som da dramaturgia e das gargalhadas que o espetáculo tira do público ao longo dos cem minutos que a encenação dura.
O cenário de José Dias, cujo vazado está dentro dos padrões neorrelistas, colabora pouco com os méritos da encenação na medida em que não deixa claro para o espectador onde se passa a história: se o interior ou o exterior da casa, se o quarto de um dos personagens, se a sala. O figurino de Samuel Abrantes participa sem destaque da maior parte dos figurinos, mas atrapalha em Hal e no guarda Meadows (Johnny Ferro), criando entre eles uma relação estética injustificada através da costura de suas roupas.
Em “O olho azul da falecida” a sagacidade subversiva de Orton ataca a família, o luto, a justiça, o casamento e a religião. A comédia trata de roubo e do assassinato em uma trama que mistura farsa com trama policial. Foi uma pena que acabou!
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FICHA TÉCNICA:
Texto – Joe Orton
Tradução – Bárbara Heliodora
Direção – Sidnei Cruz
Cenário – José Dias
Figurinos – Samuel Abrantes
Música original e direção musical – Wagner Campos
Iluminação – Rogério Wiltgen
Adereços – Guilherme Reis e Samuel Abrantes
Assessoria de imprensa – Ana Gaio
Programação visual – João Carlos Guedes
Fotos – Guga Melgar
Produção executiva – Valéria Meirelles
Direção de produção – Edmundo Lippi
Realização - Cia Limite 151
ELENCO:
Tuca Andrada - Truscott
Gláucia Rodrigues – Fay
Rafael Canedo– Harold
Helder Agostini – Dennis
Johnny Ferro – Meadows
Ator convidado
Mário Borges – McLeavy
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