Isto não é uma guerra (RJ)

Foto: divulgação

Raphael Janeiro, Henrique Juliano, Edson Santiago e Henrique Trés

O absurdo sempre bem-vindo

O texto de “Isto não é uma guerra” é melhor que a encenação. Com dramaturgia assinada por Raphael Janeiro, a peça tem o mérito de investir no Teatro do Absurdo, bem aos moldes do romeno Eugène Ionesco (1909-1994), mas os trabalhos de interpretação raramente conseguem os efeitos cômicos através do qual a confusão se torna metáfora para o mundo que esse estilo dramático critica. Dirigida por Raphael Vianna e com, além do próprio dramaturgo, Edson Santiago, Henrique Trés e Henrique Juliano, com destaque mais positivo para esse último, no elenco, a peça cumpriu temporada em abril no Teatro Ipanema, na zona sul do Rio de Janeiro.

No texto de Raphael Janeiro, quatro rapazes sustentam durante um ano o que por eles é chamado de Movimento Anti-Belicista de Reclusão, esse criado com o intuito de lutar contra a violência. Na narrativa, os integrantes ficam às voltas da manutenção dos ideais do grupo – a extrema democracia, a não violência, a propagação de sua ideologia, a igualdade entre os membros, etc. No entanto, com o patrocínio de uma grande empresa (“Peace and Love”), nasce a ambição que pode diferenciá-los entre si. É preciso que seja eleito um representante e essa necessidade exige uma comissão eleitoral que, por sua vez, precisa de um presidente. Em seguida, o desaparecimento do fio que conecta o telefone ao mundo exterior aponta para a existência de um traidor. Afundados em meio às regras que são criadas para suprir as falhas de outras regras, os quatro personagens acabarão diante da violência da qual tanto queriam livrar seu mundo. Com uma narrativa organizada a partir de quebras não lineares, acontecimentos inusitados e com ampla descontinuidade, o contexto é um coerente deboche da burocracia, das convenções sociais e da força jurídica que marca a sociedade que construímos.

Infelizmente faltam descompassos no ritmo que possam dar a ver na forma o inusitado dessa dramaturgia. Superficiais, as construções revelam pouco das contradições internas de cada personagem, essas que poderiam apresentar as figuras como mais próximas do clown absurdo em torno do qual os grandes mestres do Teatro do Absurdo escreveram seu lugar na história. Os personagens apresentados por Edson Santiago, Henrique Juliano, Raphael Janeiro e por Henrique Trés se distanciam pouco entre si, responsabilizando os diálogos pela única possível causa de evolução da narrativa. Os tempos da encenação dirigida por Raphael Vianna são bons no conjunto porque vencem o desafio das quebras temporais, mas o intervalo dos diálogos e principalmente, de um modo geral, as entonações permanecem as mesmas ao longo da peça monotonamente.

“Isto não é uma guerra” tem positivas contribuições do cenário e da iluminação do diretor, do figurino de Thiago Ortiz e de Denis Leandro e da trilha sonora de Vianna e de Victor Cumplido. O buncker dividido pelos personagens e o modo como toda a situação esteticamente se viabiliza fazem ótimas referências aos filmes de guerra, remetendo eficazmente ao realismo a partir do qual só se pode surgir a situação absurda.

O Teatro do Absurdo, gênero da dramaturgia que motiva diversas discussões, aproxima os conceitos de narrativa cênica que dão conta de uma visão de mundo disposta a ressaltar o contrassenso da lógica nas relações humanas. “Não há lógica!”, grita afinal esse tipo de teatro tão caro à contemporaneidade. “Isto não é uma guerra” tem o mérito de pautar essa reflexão e apresentar qualificados resultados estéticos. Parabéns!

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FICHA TÉCNICA:
Direção: Raphael Vianna
Texto: Raphael Janeiro
Elenco: Edson Santiago / Henrique Juliano / Henrique Trés / Raphael Janeiro
Narração em Off: Marcos Caruso
Cenário / Iluminação: Raphael Vianna
Supervisão de Iluminação: Paulo César Medeiros
Trilha Sonora: Victor Cumplido / Raphael Vianna
Figurino: Thiago Ortiz / Denis Leandro
Supervisão de Movimento: Raisa Mousinho
Assistência de Direção: Karin Dreyer
Cenotécnica: Evanildo “Thomas”
Projeto Gráfico: Pedro Daniel Bittencourt
Realização: Os PataPHísicos