quinta-feira, 7 de maio de 2015

Anti-Nelson Rodrigues (RJ)


Foto: divulgação
Joaquim Lopes, Juliana Teixeira, Tonico Pereira e Yasmin Gomlevsky

Excelente produção de Nelson Rodrigues


“Anti-Nelson Rodrigues” é a penúltima peça escrita pelo mais célebre dramaturgo brasileiro, em cujo título ele próprio está citado. Escrita em 1973 e encenada pela primeira vez um ano depois, a peça ganha terceira montagem brasileira agora dirigida por Bruce Gomlevsky com ótimo elenco em excelentes trabalhos unanimemente. Enquanto Carla Cristina e Gustavo Damasceno defendem com graça as participações modestas de seus personagens, Juliana Teixeira, Rogério Freitas e Tonico Pereira parecem duelar, estimulados uns pelos outros a apresentarem contribuições melhores em cada cena para o deleite do público. Em interpretações de altíssimo nível, Yasmin Gomlevsky e principalmente Joaquim Lopes brilham nos papéis protagonistas em espetáculo que oferece ainda ótimos resultados nos figurinos de Nívea Faso. Ao lado de “Salina” e de “Krum”, essa produção está entre os melhores momentos do teatro carioca nesse primeiro semestre de 2015.

O título do texto remete a uma tentativa de Nelson Rodrigues (1912-1980) de oferecer ao público uma peça que fosse diferente das quinze que ele havia escrito até então. O objetivo foi atingido em partes. Como todas as outras, “Anti-Nelson Rodrigues” revela uma curva narrativa melodramaticamente bem clara e personagens que são resultados do lugar onde vivem. Um perfeito boa-vida, o jovem Oswaldinho (Joaquim Lopes) atinge o lugar de presidente de uma grande fábrica por intercessão de Tereza, sua devotada mãe (Juliana Teixeira), junto ao atormentado pai, o milionário Gastão (Rogério Freitas). Já no primeiro dia de trabalho, seus olhos recaem sobre a honesta Joice (Yasmin Gomlevsky), filha única do jornalista aposentado Salim Simão (Tonico Pereira). O problema é que, sendo ela Testemunha de Jeová, não há de facilmente derreter-se aos seus encantos, o que desperta em Oswaldinho ainda mais interesse. De todos os lados (com exceção de Gastão), começa a espera pelo fim da luta entre o dinheiro e os valores morais: Oswaldinho proporciona a ascensão profissional à Joice, aumenta-lhe o salário e corteja o pai a fim de obter o esperado. Enquanto isso, um a um, todos os personagens vão fazendo vir à superfície seus “podres” em um claro interesse da dramaturgia em destacar a pureza de Joice.

Na direção, Bruce Gomlevsky mostra saber que Nelson Rodrigues é grande e que chegar a ele já é mérito honroso o suficiente. Está aí o argumento fundamental em favor dos aplausos que esse encenador merece receber por esse trabalho. As cenas têm articulação limpa, ágil e clara. A relação entre Tereza e Oswaldinho conversa com a entre Salim e Joice: pais aos pés dos filhos. O viúvo Salim representa bem o contraponto ao casal Gastão e Tereza. Oswaldinho e Joice, cada vez mais distantes, estão também cada vez mais próximos. Em lugares distintos, a doméstica Hele Nice (Carla Cristina) e o contínuo Leleco (Gustavo Damasceno) estão em situações cuja similaridade é significativa. Ou seja, ao desvendar com afinco todo o teatro imanente na literatura dramática rodrigueana, Bruce Gomlevsky, assistido por Luiza Maldonado, não apenas dá conta do desafio como homenageia o desafiador. Excelente!

Todo o elenco apresenta excelente trabalho. Gustavo Damasceno e Clara Cristina, em ótimas contribuições, parecem ter eleito a gagueira e os olhares em diagonal como vias pelas quais o espectador pode chegar ao interior de suas figuras. Juliana Teixeira exibe a sensualidade e a força na sua construção de Tereza permitindo pontos de vista mais complexos por sobre sua personagem. Tonico Pereira meritosamente oferece interpretação capaz de estruturar de forma brilhante as situações em que as ótimas falas de Salim aparecem. Talvez em um dos melhores trabalhos de sua carreira mais recente, Rogério Freitas faz, do isolamento de Gastão, aspecto pelo qual é possível encontrar seu personagem na direção contrária de Joice. Como protagonistas, Yasmin Gomlevsky e Joaquim Lopes estão exuberantes em suas construções: traços expostos em minúcias, intenções claras, movimentos hábeis em destacar os vários níveis do texto e da encenação.

Disposto a fornecer aspectos que vinculem a narrativa à realidade, o figurino de “Anti-Nelson Rodrigues” é desenhado em minúcias, elevando muito a qualidade do quadro estético. Nesse sentido, o trabalho de Nívea Faso é excelente. Em destaque, podem ser elencados a sandália de Salim, o vestido roxo de Tereza e as gravatas de Gastão. O cenário de Pati Faedo, com tablado em tacos parquet e rosas vermelhas em seu entorno, também é bem cuidado. A iluminação de Luiz Paulo Nenem participa ativamente sublinhando destaques da dramaturgia através de focos recortados

“Anti-Nelson Rodrigues” deve ser visto, porque é excelente. Aplausos!

*

Ficha técnica:
Peça em três atos de Nelson Rodrigues
Direção: Bruce Gomlevsky
Com: Tonico Pereira, Joaquim Lopes, Juliana Teixeira, Yasmin Gomlevsky, Rogério Freitas, Carla Cristina e Gustavo Damasceno
Iluminação: Luiz Paulo Nenem
Direção Musical: Mauro Berman
Cenário: Pati Faedo
Figurinos: Nívea Faso
Visagismo: Márcio Mello
Assistente de Direção: Luiza Maldonado
Direção de Produção: Juliana Teixeira
Produção Executiva: Quintal Produções Artísticas | Verônica Prates com Maitê Medeiros (Gestora de Projetos) e Fellipe Marques (Assistente de Produção)
Realização: Nova Bossa Produções Culturais

Um comentário:

  1. Sou super fã de Nelson Rodrigues, mas não conhecia esse texto, ADOREI!
    Montagem maravilhosa!

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