quarta-feira, 11 de março de 2015

Um estranho no ninho (RJ)


Foto: divulgação

Felipe Martins e Ricardo Ventura


Sem contribuição

“Um estranho no ninho” é a primeira versão em solo brasileiro da peça “One flew over the cuckoo’s nest”, escrita, em 1963, pelo americano Dale Wasserman. Adaptando a novela homônima de Ken Kesey, lançada um ano antes, a obra ganhou projeção internacional em 1975 pelo filme dirigido por Milos Forman, com Jack Nicholson e Louise Fletcher nos papeis principais. Indicada a cinco Oscars e vencedora das cinco principais estatuetas (roteiro, ator, atriz, diretor e melhor filme), a obra cinematográfica é diferente da peça em alguns pontos relevantes. Nenhum deles é realmente essencial para o espectador brasileiro comum. Dirigida por Bruce Gomlevsky, a produção em cartaz no Centro Cultural da Justiça Federal conta com um elenco numeroso, mas que infelizmente apresenta um resultado aquém das expectativas. Com Tatsu Carvalho e Helena Varvaki como protagonistas, há mérito nas participações dos coadjuvantes Felipe Martins e Ricardo Ventura. A produção apresenta muitos problemas na ordem da direção e do uso dos elementos visuais como um todo. É uma pena!

O maior mérito das duas adaptações do livro do americano Ken Kesey (1935-2001) para o teatro e para o cinema talvez seja o fato das obras terem conseguido pautar a desordem em relação à rigidez do cumprimento das regras. O livro, banido em vários estados americanos durante longo período, é uma ode à liberdade e uma recusa ao pensamento que prende o homem ao meio onde vive. Diferente do livro e da peça adaptada por Dale Wasserman (autor que escreveu o musical “O homem de La Mancha” em 1966), o filme situa o personagem Randle McMurphy (Nicholson) como o herói da narrativa. No romance e no teatro, a história é contada pelo Chefe Bromden, um caboclo veterano de guerra que sofre de esquizofrenia paranoica. É ele quem filtra as batalhas de McMurphy e da Enfermeira Ratched enquanto se situa como símbolo de um país que, em suas imensas contradições, lutava na Coreia, liderava o mundo contra o comunismo e enfrentava a segregação racial. Para o público brasileiro, “Um estranho no ninho”, em suas três versões ao longo dos últimos cinquenta anos, chama a atenção porque o Hospital Psiquiátrico pode ser considerado uma metáfora para qualquer sociedade. Lá quem faz as regras e quem sofre com elas se alternam constantemente nas posições de mocinho e de vilão, como de fato acontece na nossa sociedade, em nosso tempo. A versão teatral de Gomlevsky infelizmente revela muito pouco dessa potência.

A versão teatral em cartaz quase não acrescenta a “Um estranho no ninho”. O espectador chega ao fim dos cento e cinquenta minutos de peça sabendo o mesmo que sabia na abertura e tendo as mesmas opiniões que tinha sobre os personagens na primeira cena. McMurphy é retratado como um beberrão inconsequente e irresponsável e Ratched como uma chata. O jogo de egos entre os dois perde a oportunidade de revelar seus aspectos humanos, bem como o dos pacientes, escondendo as contradições, as complexidades, os não-ditos. O ritmo é monótono apesar de três nuances: a rebelião (quando os pacientes simulam assistir à partida de basebol), o início do segundo ato (quando McMurphy fica sabendo que ele é o único obrigado a estar internado) e o bate-boca entre os protagonistas ao final. Tudo é superficial.

“Um estranho no ninho” tem boas participações de Isaac Bardavid (Doutor Spivey) e de Marcelo Morato (Cheswick), mas só atinge relevância em Ricardo Ventura (Scanlon) e em Felipe Martins (Dale Harding). Personagens pequenos em suas importâncias para o desenrolar da narrativa, essas figuras são retratadas por seus intérpretes com visível esforço em dar-lhes um pouco mais que apenas o texto decorado. Charles Asevedo (Chefe Bromden), Ricardo Lopes, Henrique Gottardo, Rafael Oliveira, Hilka Maria, Lorena Sá Ribeiro e Tatiana Muniz apresentam resultados bastante comprometedores infelizmente. Helena Varvaki (Enfermeira Ratched) perde a oportunidade de utilizar o mesmo tom de voz durante toda peça para expressar algum excesso desumano de superautocontrole, o que pontuaria com mais profundidade sua personagem. Em sua participação, o ritmo se arrasta negativamente sobretudo na cena que acontece após a festa. Tatsu Carvalho (Randle McMurphy), com a coluna curvada e com problemas para deslizar com segurança pelo palco em suas botinas, não faz cair qualquer carisma sobre o seu personagem, sendo menos interessante que qualquer um dos demais pacientes. Varvaki e Carvalho são negativamente lineares, como vários entre os demais, durante toda a narrativa.

O cenário de Pati Faedo confunde vidro com grade, tem uma janela que abre para o almoxarifado e se utiliza de diagonais de um jeito formal e nada contributivo. A iluminação de Elisa Tandeta está sozinha no oferecimento de branco ao visual da peça e comete a gafe de acender refletores vermelhos injustificadamente para expressar a festa. Os figurinos de Alessandra Padilha e de Jerry Rodrigues e a trilha sonora original de Mauro Bernan cumprem seu papel na proposta de narrativa adequadamente, mas sem destaque.

A versão teatral de “Um estranho no ninho”, que parte da versão americana da peça (com Kirk Douglas interpretando McMurphy), não foi aqui analisada em comparação com a obra cinematográfica, que é melhor referência para o grande público daqui. Se fosse, talvez o resultado seria pior. Além de justapor Tatsu Carvalho ao lado de Kirk Douglas e de Jack Nicholson em termos de realização profissional, faltou à produção viabilizar esteticamente o que ela pensa que “Um estranho no ninho” ainda pode nos dizer. E pode muito!

*

Ficha Técnica:

Elenco:
Charles Asevedo (Chefe Bromden),
Felipe Martins (Dale Harding),
Helena Varvaki (Enfermeira Ratched),
Henrique Gottardo (Auxiliar Turkle),
Hylka Maria (Candy Starr),
Isaac Bardavid (Dr. Spivey),
Junior Prata (Ruckley),
Lorena Sá Ribeiro (Enfermeira Flinn),
Marcelo Morato (Cheswick),
Rafael Oliveira (Auxiliar Williams),
Ricardo Lopes (Auxiliar Warren),
Ricardo Ventura (Scanlon),
Tatiana Muniz (Sandra),
Tatsu Carvalho (R.P. McMurphy),
Vitor Thiré (Billy Bibbit),
Zé Guilherme Guimarães (Martini)

Texto: Dale Wasserman
Tradução: Ricardo Ventura
Direção: Bruce Gomlevsky
Ass. de direção: Lorena Sá Ribeiro
Direção de produção: Rafael Fleury e Tatsu Carvalho
Cenário: Pati Faedo
Iluminação: Elisa Tandeta
Técnico de luz: Rafael Tonoli
Figurinos: Alessandra Padilha e Jerry Rodrigues
Visagismo: Uirande Holanda
Trilha original: Mauro Berman
Programação visual: Ana Andreiolo
Fotografia: Felipe Diniz
Ass. de produção e camareira: Fernanda Moura
Assessoria de imprensa: Lu Nabuco Assessoria em Comunicação
Coordenação de projeto: Midday Produções Artísticas e Culturais

3 comentários:

  1. Nossa!!!Que equivoco! Será que o senhor assistiu o mesmo espetáculo que eu e meu esposo? Saímos chorando do Teatro. Me desculpe, respeito a opinião do senhor, mas a maneira como foi feita a crítica, me parece que , o senhor tem algum problema pessoal com alguém do espetáculo. Lamentável uma critica tão destrutiva e gratuita.
    http://botequimcultural.com.br/critica-um-estranho-no-ninho/

    http://teatroemcena.com.br/home/com-16-atores-peca-um-estranho-no-ninho-prova-sua-atemporalidade/

    http://idavicenzia.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  2. Simplesmente lamentável sua crítica. Parece que é pessoal, que tem alguma desavença com alguém do espetáculo.
    No dia em que assisti, tinham diversas pessoas chorando durante e após o espetáculo. Foram mais de 3 minutos de aplausos com gritos de BRAVO!!!
    Perda de tempo ler o que o senhor escreve. Crítica maldosa e destrutiva, que não acrescenta nada.
    Nota - 0 para o senhor.

    ResponderExcluir
  3. Olá, Senhores Anônimos! Por que diabos eu gostaria de destruir o espetáculo? Claro que não. Crítica negativa não é crítica destrutiva e essa pertence ao primeiro grupo porque todas os pontos de vista negativos estão justificados no texto. Nada veio gratuitamente. Fico feliz que vocês gostaram da peça e discordam de mim. Talvez vocês estejam certos. Precisamos concordar sempre? O fato de haver várias críticas positivas ao espetáculo não diz que é uma boa produção. Diz apenas que muita gente gostou. A minha crítica negativa também não diz que é uma peça ruim. Diz apenas que eu não avaliei positivamente. Só deixo claro, e nunca participo dos comentários, que a crítica não é maldosa. Ela só apresenta um resultado diferente do que algumas pessoas esperavam. Obrigado pelo acesso e pela participação. Abraços, Rodrigo

    ResponderExcluir

Bem-vindo!