sexta-feira, 13 de março de 2015

Mistero Buffo (SP)


Foto: divulgação
 
Domingos Montagner (no centro) em cena

Os bufões

“Mistero Buffo” é a adaptação do grupo paulista La Mínima para quatro de vinte monólogos do italiano Dario Fo, Prêmio Nobel de Literatura. Publicada em 1969, a antologia é formada por histórias em que o Evangelho serve como ponto de partida para uma visão crítica da sociedade e das estruturas de poder. Com dramaturgia assinada por Neyde Veneziano e pela dupla Domingos Montagner e Fernando Sampaio, a montagem conta com a participação de Fernando Paz, interpretando ao vivo a trilha sonora. Em cartaz no Teatro Poeira, em Botafogo, na zona sul do Rio de Janeiro, eis aqui uma oportunidade rara do público teatral carioca se encontrar com um estilo de interpretação bem específico, os bufões.

Os estilos de interpretação Bufão e Clown convivem no mesmo lugar, mas têm formas distintas de apresentação. Enquanto os Palhaços escondem a lágrima, revelando-a como sinal de força, os Bufões choram, riem e gritam como lembretes (para si e para os outros) de que estão vivos. “Mistero Buffo”, apesar da cena final nessa montagem, não é um espetáculo de clowns, mas uma peça de bufões. Nas quatro histórias, os personagens principais são pessoas conscientemente marginalizadas, dispostas a tirarem proveito dessas situações. Em “A ressurreição de Lázaro”, dois personagens vão ao cemitério para assistir ao milagre de Jesus. Junto de várias outras pessoas, eles fazem tudo para conseguir o melhor lugar na plateia desse “espetáculo”. Em “O Cego e o Paralítico”, as deficiências são bons motivos para não se trabalhar. Em “O Louco e a Morte”, o Louco quer tirar proveito da Morte que julga ter vindo buscá-lo. Em “O jogo do Louco debaixo da cruz”, o Louco quer a ajuda de Jesus crucificado para vencer em apostas. Em todas as histórias apresentadas, o mais bonito é encontrar-se com o desejo do homem em dar-se bem nas piores situações, traço de caráter completamente oposto ao ideário medieval de sacrifício religioso. E também diferente do Clown que sofre a prisão do próprio destino.

Na encenação de Neyde Veneziano, as histórias dividem espaço com momentos em que um Narrador (Domingos Montagner) apresenta o contexto histórico da Idade Média. Ele chama a atenção do público para os diferentes níveis que cada cena possibilita à compreensão. A inclusão de expressões mais atuais e de imagens contemporâneas aos diálogos é metáfora para a forma como os atores daquele período também envolviam questões do seu entorno na apresentação de seus enredos. Nesse sentido, “Mistero Buffo” funciona como espetáculo tanto no âmbito da narrativa como no da metalinguagem, em que são homenageados os incontáveis artistas cênicos anônimos que levaram o teatro da tragédia grega até a renascença. Talvez esse seja o maior mérito dessa produção.

Domingos Montagner e Fernando Sampaio, principalmente o segundo, exibem boa disponibilidade corporal, limpeza nos gestos, ótimo uso da voz e das expressões faciais. Montagner, com enorme carisma, faz a ponte entre as histórias e o público de forma quase afetiva. Porque as narrativas giram em torno da fé, e crença no desconhecido é algo inerente a qualquer ser humano, o encontro que a experiência teatral provoca é quase tão boa como a própria peça em si. Em outras palavras, é gostoso estar ali.

A presença do multi-instrumentista Fernando Paz é outra característica marcante de “Mistero Buffo”. Além da interpretação ao vivo da trilha sonora, que pontua sonora e musicalmente diversas passagens da narrativa, vale ressaltar a participação do ator nos quadros através do olhar atento, discreto e pontual. Assinada por Marcelo Pellegrini, a direção musical inclui a canção “Romance de uma Caveira”, da dupla sertaneja Alvarenga e Ranchinho, muito popular entre os anos 20 e 60.

Os figurinos de Inês Sacay auxiliam a concepção da montagem em viabilizar a aproximação entre a Idade Média e a contemporaneidade sob alguns aspectos. As vestimentas coloridas têm, em sua modelagem, elos de ligação com os trajes de bobos da corte ou de artistas andarilhos medievais, deixando revelar tênis, meias e calças do período atual. Há destaque para o elemento vermelho nas camisas brancas dos três intérpretes. Em cada um, ele está em um lugar diferente, o que pode ilustrar a relação entre os personagens. É positivo o uso da luz por Wagner Freire pela forma como os diferentes trechos do espetáculo ganham lugar específico em seu desenvolvimento.

Depois de ganhar vários prêmios em São Paulo, onde a peça fez longas temporadas e cheias de sucesso, a chegada ao Rio faz dessa oportunidade um ponto alto na programação. Que bom!
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FICHA TÉCNICA 
Autor: Dario Fo 
Concepção: La Mínima e Neyde Veneziano 
Direção: Neyde Veneziano 
Assistência de direção: André Carrico e Ioneis Lima 
Tradução: Neyde Veneziano e André Carrico 
Elenco: Domingos Montagner, Fernando Sampaio e Fernando Paz 
Iluminação: Wagner Freire 
Cenografia: Domingos Montagner 
Confecção de cenografia e arte: Maria Cecília Meyer 
Figurino: Inês Sacay 
Direção Musical / Música Originalmente Composta: Marcelo Pellegrini 
Direção Mímica: Alvaro Assad 
Direção de Produção e Administração: Luciana Lima 
Coprodução: Turbilhão de Ideias – Cultura e Entretenimento 
Fotos: José Maria Matheus, Lidia Ueta, Carlos Gueller, Thiago Henrique 
Fotos: Carlos Gueller / Matheus José Maria 
Secretária: Catarina Capelossi 
Produtor Original: SESI-SP 
Realização: LaMínima 
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany

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