Beleza e vigor incomensuráveis
O espetáculo argentino “Luisa se estrella contra su casa”, da Compañía Vilmadiamante, participou, neste final de semana, da programação do II Festival Dois Pontos. Com texto e direção de Ariel Farace, a peça foi co-produzida pelo VI Festival Internacional de Buenos Aires, em 2007. Além de Porto Alegre, em 2009, a produção já passou por Berlin e San Salvador, tendo recebido merecidos elogios por onde se apresenta. Com Luciana Mastromauro no papel título, o elenco conta também com Guido Ronconi, Matías Vértiz e Juan Manuel Wolcoff. O Festival Dois Pontos é fruto da parceria entre seis ocupações artísticas dos teatros do município do Rio de Janeiro: Ágora, Câmbio, Os Ciclomáticos, No Lugar, Projeto_ENTRE e Vem!. Infelizmente, a peça faz hoje, às 20h, sua última apresentação no Teatro Sérgio Porto, no bairro Humaitá.
Os méritos de “Luisa se estrella contra su casa” começam na dramaturgia. No texto de Ariel Farece, Luisa perdeu Pedro, a quem amava muito, em um acidente de moto. Não sabemos quem é Luisa, nem Pedro, nem qual a relação que havia entre os dois. Não sabemos quando isso aconteceu e nem há muitos detalhes sobre o acidente. Não há qualquer enredo nem antes, nem depois disso. Nesse sentido, toda a dramaturgia consiste em tentativas de dar corpo para diversas imagens que possam clarificar essa situação. Ao longo de sessenta minutos de encenação, o espectador percorre os diálogos, assumindo a responsabilidade pelas relações de sentido que encontra. Em sua beleza, o texto pode ser metáfora para sensações de perda. A frase “Há um ser que vive em mim como se eu fosse sua casa” ecoa enquanto o espetáculo vai colocando o espectador diante de aspectos muito delicados de sua existência.
Na direção de Farace, assistido por Andrés Rasdolsky, a falta de lógica das coisas leva ao sonho, mas esse lugar, longe de ser escape, funciona como um intervalo entre situações. Ali estão presentes memórias do passado e talvez mini-despertares em relação ao futuro. De um lado, todos os personagens estão congelados em uma situação: Pedro (Matías Vértiz) sorri enquanto diz nada sentir, o Vizinho (Guido Ronconi) toca sempre os mesmos acordes da mesma canção, o sapólio Odex (Juan Manuel Wolcoff) acompanha Luisa aonde ela vai e Luisa (Luciana Mastromauro) circula pelos mesmos ambientes e vivencia as mesmas imagens enquanto nada mais pode fazer. De outro, os lugares e as ações sofrem o desapego das regras convencionais. Os ramos da árvore não se movem, o frango que estava morto agora está vivo, a casa e o supermercado Coto se misturam. O ritmo dos diálogos, não lineares, é lento, marcando sua quebra com a realidade. Todos os elementos, assim, dão sua contribuição ao todo de forma efetiva e individual, dispensando a simples tarefa de ratificar, mas também revelando níveis de interpretação diferentes. É excelente a direção de Ariel Farace.
Guido Ronconi (o Vizinho), Juan Manuel Wolcoff (o sapólio Odex) e Matías Vértiz (Pedro) apresentam bons trabalhos de interpretação na medida em que suas expressões vencem o desafio de permanecerem lineares, estruturas por entre as quais o espectador deseja ver Luisa caminhar. Mas é Luciana Mastromauro (Luisa) quem tem destaque. O falar firme, aproveitando as sílabas, não esconde a emoção de cada imagem dada a ver. As expressões faciais e o corpo se equilibram em pontos sensíveis de cada cena. Os movimentos de olhar determinam os focos de atenção. Ao bater-se contra sua “casa”, a Luisa de Mastromauro nos toca.
O modo como o desenho de luz de Matias Sendon e de Ricardo Sica atua na encenação também é ponto relevante. O melhor momento é quando o foco fechado sobre Luisa quer dizer algo mais que apenas determinar em quem o espectador deve olhar. No mesmo sentido, o cenário de Cecília Zuvialde e de Farace e o figurino agem.
A economia dos elementos de “Luisa se estrella contra su casa” é apenas aparência. Em cada um, dos diálogos aos gestos, das interpretações, ao cenário, dos figurinos, da trilha e à luz, tudo foi usado com a responsabilidade de dizer algo que trouxesse algo novo ao todo da obra. Talvez esteja aí o maior motivo pelo qual a peça diga coisas diferentes a cada um e em cada momento, mas sempre diga. Por trazer ao Rio esse espetáculo, o Festival Dois Pontos prossegue sendo o ponto alto da programação do teatro carioca neste mês de março.
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Ficha técnica:
Texto e Direção: Ariel Farace
Elenco: Luciana Mastromauro, Guido Ronconi, Matías Vértiz e Juan Manuel Wolcoff
Cenário: Ariel Farace e Cecilia Zuvialde
Desenho de luz: Matías Sendón e Ricardo Sica
Operação de luz: Sebastian Francia
Música original: Guido Ronconi
Ficha técnica do Festival Dois Pontos:
Realização: Treco Produções
Direção Artística:
ÁGORA - José Della Vedova, Fabianna de Mello e Souza e Mauro Vianna
CÂMBIO - André Vieira, Cesar Augusto e Jonas Klabin
Projeto_ENTRE - Daniela Amorim, Joelson Gusson e Marta Vieira
NO LUGAR - Fabricio Belzoff, Michel Blois e Rodrigo Nogueira
Os Ciclomáticos - Ribamar Ribeiro
VEM! - Alexandre Mello e Rogério Garcia
Coordenação de projeto: André Vieira e Marta Vieira
Coordenação de logística: Leila Maria Moreno
Produção de logística: Monna Carneiro
Coordenação técnica: Felipe Argollo e Leandro Barreto
Assistência de coordenação técnica: Lia Sarno
Assistente técnico: Juju Moreira
Produção de Arte: Rodrigo Abreu
Assistência de Produção de Arte: Bruno Henriquez e Renato Barreto
Coordenação de comunicação: Paula Rollo
Produção de comunicação: Marcelo Mucida
Programação Visual: Felipe Braga
Conteúdo, Webmarketing e Vídeos: Elisa Mendes e Julia Casotti
Fotografia: Arthur Seixas e Renato Mangolin
Coordenação Administrativa Financeira: Cristiane Cavalcante
Assistente Administrativo Financeiro: Carina Ribeiro
Produção Local: Aline Mohamad, Ana Beatriz Silva, Fábio Osório, Juliana Mansur, Rogério Garcia e Ton Dutra
Tradução de peças: Carlos Alberto Della Paschoa
Consultoria de shows: Márcia Figueiredo
Parceria: Galpão Gamboa e Pequena Central
Apoio Institucional: Consulado Geral da Argentina e Instituto Cervantes
Patrocínio: Prefeitura da Cidade de Rio de Janeiro e Secretaria Municipal de Cultura
uma joia!
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