Elenco em cena |
O “Tio Vânia”do Galpão
“Tio Vânia (aos que vierem depois de nós)” cumpre pequena temporada no Teatro Sesc Ginástico, no centro do Rio, como parte da programação Circuito Sesc Artes Cênicas 2015. Dirigido por Yara de Novaes, que recentemente ganhou o troféu APTR de Melhor Atriz por sua participação em “Contrações”, esse espetáculo do mineiro Grupo Galpão estreou no Festival de Curitiba em 2011. Lançado em 1897, o texto é uma versão melhorada do dramaturgo russo Anton Tchékhov (1860-1904) de uma outra peça sua, “O demônio da floresta”. A encenação, em que o Galpão apresenta uma ruptura com a estética que lhe deu fama em espetáculos como “Romeu e Julieta” (1992), “A rua da amargura” (1994) e “Um Molière imaginário” (1997), adapta o original na medida em que corta personagens e sugere alguns distanciamentos do que provavelmente foi apresentado pelo então recém criado Teatro de Arte de Moscou por Constantin Stanislávski e por Vladimir Nemiróvitch-Dântchenko. É possível que as modificações responsáveis de Novaes, no entanto, tenham feito ver com mais força (e beleza) o texto de Tchékhov no espetáculo a que agora o Rio de Janeiro tem nova oportunidade de assistir.
Aclamado durante todo o último século, o texto de “Tio Vânia” é uma obra de primeiríssima grandeza. A história se passa em uma região rural, onde o Professor Alexandre Serebriákov (Arildo de Barros) mantém a velha propriedade de sua primeira esposa já falecida. Na primeira cena, os personagens “Berruga” Teléguine (Paulo André), Doutor Ástrov (Eduardo Moreira), Vovó Maria (Teuda Bara) e Tio Vânia (Antônio Edson) conversam sobre a chegada do Professor e de sua segunda esposa Helena (Fernanda Vianna). De início, ficam claros os conflitos mais importantes. Resignados, Helena, Berruga e Vovó, de um lado, fazem ver com mais força as frustrações do Doutor Ástrov, de Sônia e principalmente de Vânia. Todos veem suas vidas se desperdiçarem com o avanço dos anos. No centro da narrativa, Alexandre catalisa as maiores contradições, gozando de fama internacional pela publicação de artigos sobre história da arte, mas padecendo de dores corporais e de grande desânimo. A possível venda da velha propriedade fará Tio Vânia, o personagem-título, reunir forças para esquecer as gentilezas e dizer tudo o que pensa a Alexandre. Eis aqui o seu ato heroico, cujas consequências tornam essa dramaturgia uma pérola entre as joias do realismo psicológico/naturalista.
O maior mérito da está no modo como a encenação enfrenta as metáforas.
Ao contrário de fugir das metáforas, a direção de Yara de Novaes, assistida por Paulo André, as enfrenta. As batidas da bengala de Vovó Maria (Teuda Bara) se relacionam com o relógio quebrado na parede e com o tempo que ou nunca passa. No mesmo sentido, a seminudez de Helena se articula com seu piano não tocado e com a árvore seca da cena inicial. Secaram os talentos de Vania na manutenção da propriedade rural enquanto esse assiste ao sucesso de Alexandre que escreve sobre arte sem saber dela. Desapareceram a floresta e os animais e, em troca, vieram o deserto, as rugas no rosto e as rachaduras nas paredes. O uso na encenação do queijo e do pão de queijo, a música em espanhol e o design moderno de algumas peças do vestuário e na cenografia não impedem que sejam propostas a crítica à sociedade burguesa hipócrita, a reflexão sobre a (in)capacidade do homem de assumir o controle da própria história e a beleza do direito de sonhar no qual todo ser humano se refugia. Quanto às interpretações, não há maiores destaques entre os bons trabalhos, além da belíssima composição de Paulo André (o “Berruga Teléguine) que faz ver alguém que já cicatrizou as mágoas embora não tenha se esquecido delas.
O cenário de Márcio Medina é um dos pontos altos de “Tio Vânia (aos que vierem depois de nós)”. Os quatro blocos que surgem na segunda cena constroem com galhardia o universo labiríntico da grande propriedade em que, apesar do tamanho, todos velam as insônias uns dos outros. Somente a partir desse “ecossistema” naturalista, é que todos os personagens podem ser avaliados em sua plenitude e os microambientes da cenografia exortam essa possibilidade. Os figurinos de Medina e a direção musical (e música original) de Dr. Morris corroboram para a complexidade, tudo enquadrado pela luz quente e evasiva de Pedro Pederneiras, em belíssima participação.
O espetáculo, que fica em cartaz até o próximo domingo (29 de março).
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FICHA TÉCNICA DO ESPETÁCULO
Elenco
Antonio Edson – Tio Vânia
Arildo de Barros – Serebriákov
Eduardo Moreira – Ástrov
Fernanda Vianna – Helena
Paulo André – Teléguine
Teuda Bara – Maria Vassiliévna
Mariana Lima Muniz (atriz convidada) – Sônia
Equipe de criação
Direção – Yara de Novaes
Texto – Anton Tchékhov
Preparação corporal e assessoria de movimento cênico – Mônica Ribeiro
Pintura das colunas e confecção da árvore – Atelier Junia Melillo
Tradução e adaptação – Grupo Galpão
Assistente de direção – Paulo André
Cenografia e figurino – Márcio Medina
Iluminação – Pedro Pederneiras
Trilha sonora e música original – Dr. Morris
Direção vocal de texto – Babaya
Caracterização – Mona Magalhães
Adereços – Marney Heitmann
Assistente de cenário – Amanda Gomes
Assistente de figurino – William Rausch
Assistente de iluminação – Wladimir Medeiros
Cenotécnicos: Helvécio Izabel, Bruno Cerezoli e Elton John
Confecção de figurino – Taires Scatolin e Antônio Malveira
Técnica de pilates – Waneska Torres e Camila Couri
Operação de som – Vinícius Alves
Produção musical – Pedro Durães
Músico – Felipe José
Professor de violão – Júlio Marques
Estagiária de cenário – Marina RB
Fotos – Guto Muniz
Projeto gráfico – Lápis Raro
Produção executiva – Beatriz Radicch
Direção de produção – Gilma Oliveira
Produção – Grupo Galpão
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