sábado, 21 de março de 2015

Melancolía y Manifestaciones (Argentina)

Lora Arias, à esquerda, e elenco em cena
Foto: divulgação


Espetáculo tocante!

O espetáculo argentino “Melancolía y Manifestaciones” abriu a segunda edição do Festival Dois Pontos no último dia 13 de março. Assinada pela companhia de Lola Arias, a peça parte, de forma bastante delicada, de experiências pessoais da autora para narrar a história de uma filha que busca compreender melhor sua mãe. O Festival ocupa seis teatros municipais e o Galpão Gamboa, oferecendo ao público carioca um panorama das artes cênicas da Argentina. Além do de Lola Arias, espetáculos assinados por Ariel Farace, Gabriel Chame Buendía e por Agostina López participam da intensa programação que vai até o dia 29 de março. “Melancolía y Manifestaciones” fez três apresentações no Teatro Ipanema, na zona sul do Rio de Janeiro. 

O mais belo de “Melancolia y Manifestaciones” é sentir que todos nós temos muitas histórias dentro da gente mesmo. A peça começa com a projeção de um texto através do qual o leitor toma posse de tudo o que precisará para avançar na história. Quando sua Filha mais nova nasceu, a Mãe entrou em depressão. Talvez não tenha sido o nascimento em si, talvez não tenha sido o golpe militar que aconteceu no mesmo período, levando a Argentina a viver um período de ditadura. É provável que a doença tenha apenas começado. De qualquer forma, é atrás dessas questões que a Filha vai e, com ela, o espectador. Constituída de contribuições de várias espécies - projeções em vídeo, gravações de áudio, textos para serem lidos, músicas -, o texto de Lola Arias (dramaturgia de Sofía Médici) pergunta: qual é a utilidade do teatro nessa história? Entre todas as artes existentes, o teatro é a única que depende exclusivamente do encontro. A personagem narradora Filha (Lola Arias) anuncia, no início, que recebeu a ajuda de um grupo de teatro amador de sua localidade para encenar o que vai descobrindo sobre sua Mãe (Elvira Onetto). Em “Melancolía y Manifestaciones”, o jogo é claro: atores (Beatriz Couceiro, Cargmen Roig, Elvira Onetto, Ricardo Coniglio e Vicente Fiorillo) interpretam maus atores que gentilmente se propõem a interpretar personagens da história que a Filha parcialmente descobre sobre sua vida. E é nessa delicadeza que a peça ganha o coração da plateia para quem o tema da relação entre mãe e filha, entre vários outros, é obviamente caro. Pela sua simplicidade, o espetáculo é comovente.

Quanto às interpretações, o maior mérito é que tudo é bastante delicado. “Melancolía y Manifestaciones” chega e se vai sem personagens dados a ver de forma grandiloquente, marcados e definidores de uma narrativa. A dúvida e principalmente a simplicidade definem pessoas ocupadas com as próprias existências na peça. No palco, isso está sugerido pelo modo quase inexpressivo dos atores de olhar e de falar, pelos movimentos limitados e pelos gestos econômicos, pela proximidade de tudo ao tom neutro. A forma como a encenação, dirigida por Arias e por Luciana Acuña, se dá tem completa relação com a história que o espetáculo conta. E isso tem enorme relevância do ponto de vista artístico.

Os demais elementos parecem ter atendido ao mesmo conceito. No cenário de Mariana Tirantte, uma caixa cênica está posicionada no centro do palco, lugar onde os atores amadores amigos da Filha oferecerão corpo aos personagens de sua história pessoal. A madeira é bruta, os elementos cênicos são apenas simbólicos, tudo tem cara de improviso. As projeções – um trabalho excelente de Nele Wohlatz - aparecem nas cortinas que cobrem a parte da frente dessa caixa. No conjunto, os elementos deixam pensar que se tratam de convites gentis, íntimos, nada formais para o público dividir com eles a narrativa. Nesse sentido, a estética do espetáculo (o figurino é de Sofía Berhaka, a trilha sonora de Ulisses Conti e a iluminação é de Matías Sendón) pontua o tipo de participação que ela requer: a acolhida afetiva. Do lado de fora da caixa, Lola Arias, ao lado de um músico (Ulisses Conti), fala ao microfone, narrando a história em primeira pessoa. O efeito da simplicidade é determinante para a fruição desse espetáculo. E mérito de quem o construiu.

Como a personagem-narradora, a dramaturga, diretora e atriz Lola Arias, uma das principais expoentes da nova cena contemporânea argentina, também teve uma mãe cujo diagnóstico de depressão foi dado no ano em que a ditadura na Argentina começou. De forma positiva, o tom biográfico de “Melancolía y Manifestaciones” é ponto de partida para cada um se encontrar com sua história particular e valorizá-la. Com essa produção, o Festival Dois Pontos abriu em grande estilo. Aplausos!

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Ficha técnica do espetáculo:
Texto e Direção: Lola Arias
Dramaturgia: Sofia Medici
Coreografia e co-direção: Luciana Acuña
Elenco: Beatriz Couceiro, Cargmen Roig, Elvira Onetto, Lola Arias, Ricardo Coniglio e Vicente Fiorillo
Colaboração artística: Luiz Algranti
Som / Música original (ao vivo): Ulisses Conti
Vídeo: Nele Wohlatz
Operação de vídeo: Marcos Médici
Cenário: Mariana Tirantte
Figurino: Sofía Berhaka
Desenho de luz: Matías Sendón
Gerência técnica e adaptação de luz: Gustavo Kotik
Direção técnica da turnê: David Seldes

Ficha técnica do Festival Dois Pontos:
Realização: Treco Produções
Direção Artística:
ÁGORA - José Della Vedova, Fabianna de Mello e Souza e Mauro Vianna
CÂMBIO - André Vieira, Cesar Augusto e Jonas Klabin
Projeto_ENTRE - Daniela Amorim, Joelson Gusson e Marta Vieira
NO LUGAR - Fabricio Belzoff, Michel Blois e Rodrigo Nogueira
Os Ciclomáticos - Ribamar Ribeiro
VEM! - Alexandre Mello e Rogério Garcia
Coordenação de projeto: André Vieira e Marta Vieira
Coordenação de logística: Leila Maria Moreno
Produção de logística: Monna Carneiro
Coordenação técnica: Felipe Argollo e Leandro Barreto
Assistência de coordenação técnica: Lia Sarno
Assistente técnico: Juju Moreira
Produção de Arte: Rodrigo Abreu
Assistência de Produção de Arte: Bruno Henriquez e Renato Barreto
Coordenação de comunicação: Paula Rollo
Produção de comunicação: Marcelo Mucida
Programação Visual: Felipe Braga
Conteúdo, Webmarketing e Vídeos: Elisa Mendes e Julia Casotti
Fotografia: Arthur Seixas e Renato Mangolin
Coordenação Administrativa Financeira: Cristiane Cavalcante
Assistente Administrativo Financeiro: Carina Ribeiro
Produção Local: Aline Mohamad, Ana Beatriz Silva, Fábio Osório, Juliana Mansur, Rogério Garcia e Ton Dutra
Tradução de peças: Carlos Alberto Della Paschoa
Consultoria de shows: Márcia Figueiredo
Parceria: Galpão Gamboa e Pequena Central
Apoio Institucional: Consulado Geral da Argentina e Instituto Cervantes
Patrocínio: Prefeitura da Cidade de Rio de Janeiro e Secretaria Municipal de Cultura

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