Foto: divulgação
Gabriela Corrêa e Watusi em cena |
Sem direção
“Eu vou tirar você desse lugar” é o musical brasiliense inspirado no universo das canções de Odair José. Com texto e direção de Sérgio Maggio, a montagem inclui 20 músicas como “Cadê você”, “A noite mais linda do mundo” e “Pare de tomar a pílula” em história original, celebrando de alguma forma o cantor que fez muito sucesso principalmente durante os anos de 1970. Os diversos problemas nas interpretações, na direção e principalmente na sonorização fazem do espetáculo em um ato parecer longuíssimo. Apesar disso, vale a pena conferir a interpretação de Gabriela Corrêa. A peça, que cumpriu temporada em São Paulo recentemente, está em cartaz no Centro Cultural do Banco do Brasil, na Cinelândia, Rio de Janeiro.
Para usar um exemplo bem conhecido e atual, a dramaturgia de “Eu vou tirar você deste lugar” é como a de “Mamma Mia – O musical”, que tem as músicas do ABBA, mas sua narrativa não conta a história do conjunto que tornou as canções famosas. A peça começa nos anos 20, em São Paulo, quando a morte de Madame Pommery (Camila Guerra), uma famosa cortesã, parece decretar o fim do glamour da vida boêmia. Estimulada por Odilon (Jones de Abreu), a fim de não deixar que a polícia de apodere das joias da falecida, a maioria delas é levada por Adelaide (Tainá Baldez), a mais querida dentre várias prostitutas do lugar. O tempo passa e, nos anos 60, Odilon reaparece às voltas com seu filho Matias (Luiz Felipe Ferreira) que, fisgado pela música, se concentra menos na faculdade para o desgosto de seu pai. As crises na relação entre ambos fazem com que o jovem abandone a casa paterna e vá encontrar seu próprio caminho, dedicando-se às canções populares. A história, então, se divide em duas: de um lado, Odilon se reencontra com Adelaide - já mais velha, preferindo ser chamada de China (Watusi), ela abre um cabaret com relativo sucesso através da performance de Susie (Gabriela Correa). De outro, Matias trilha os percalços em busca do reconhecimento, driblando a viagem lisérgica do início dos anos 70 e as reflexões políticas do Brasil em plena ditadura. Com as chagas abertas um em relação ao outro, pai e filho precisarão ajustar as contas. Em termos de dramaturgia, “Eu vou tirar você desse lugar” tem o mérito de oferecer situações em que as músicas de Odair José entram na história sem muito esforço. Infelizmente, os valores não vão muito além disso.
A direção de Sérgio Maggio chega ao Rio de Janeiro sem evidenciar boa articulação. A coexistência de momentos diferentes no palco nem sempre produzem bom resultado, a troca de cenas evidencia mal uso do ritmo, a movimentação dos intérpretes em cena revela dificuldades na apreensão do espaço. Além disso, com exceção de Gabriela Correa (Susie), todos os trabalhos de interpretação são bastante negativos ainda que Luiz Felipe Ferreira (Matias) tenha alguns momentos menos ruins. A impressão que se tem é de que não houve trabalho de direção de atores, tampouco uma concepção que desse uma amarra mais coesa para a obra como um todo.
O elenco apresenta um trabalho sem qualquer cuidado com a palavra dita em cena, escondendo qualquer antecedente dramático, mostrando desconexão dos gestos e ausência de consciência corporal. Com grande carisma, Watusi (China) ganha a atenção, mas não mostra boa dicção, não usa bem as pausas e se apresenta de forma linear em todas as suas aparições. Com construções negativamente muito efeminadas, Jones de Abreu (Odilon) e Rodrigo Mármore (Jimmy) não convencem na defesa de seus personagens. Com algum esforço, Camila Guerra (Margot), Luiz Felipe Ferreira (Matias), Tainá Baldez (Cabeluda) e Renato Milan (Cantor) sofrem a falta de triangulação da direção dos quadros. A única boa exceção é Gabriela Correa, essa em positivo destaque. Suas participações são potentes, vivas. A intérprete faz ótimo uso das pausas, das entonações e das inflexões além de expressar-se bem através do corpo e do gestual. Ela é o melhor de “Eu vou tirar você deste lugar”.
Quanto aos figurinos de Roustang Carrilho, ainda que haja certo empenho no vestuário feminino, as roupas vestidas pelos homens expõem as fraquezas estéticas do espetáculo. A ambientação proposta pelo cenário de Maria Carmen Souza também não contribui, embora tenha o mérito de auxiliar a narrativa na clareza com que expressa os lugares onde a história acontece. Sem destaque, a iluminação de Vinícius Ferreira não auxilia na criação de ambientes no palco. Entre todos, o que é grave considerando que a peça é um espetáculo musical, o pior elemento usado é a direção musical de Alex Souza. A banda, situada no centro do palco, soa muito mais forte que as vozes dos atores. Do que eles cantam, pouco é compreendido. Tudo é muito abafado infelizmente, resultado esse que não se viu em outras produções do tipo no mesmo teatro. É uma pena.
Nos últimos anos, o rótulo “brega” deixou de ser negativo para, ainda bem!, recuperar de forma cômica todo um universo artístico popular que foi renegado pela crítica outrora. Ao rejeitar o brega, “Eu vou tirar você deste lugar” está longe de apagá-lo, mas, pior ainda, acaba reconduzindo-o ao seu lado de menor valor. Essa produção perde a oportunidade de, com mais humor além de maior cuidado em termos de produção estética, celebrar melhor a obra de Odair José, músico cuja contribuição para a cultura popular é inegável.
FICHA TÉCNICA
Dramaturgia e direção: Sérgio Maggio.
Supervisor musical: Odair José
Elenco: Watusi, Jones de Abreu, Camila Guerra, Gabriela Correa, Luiz Felipe Ferreira, e Rodrigo Mármore,Taína Baldez e Renato Milan
Músicos: Alex Souza, Renato Glória, William Gláucio e Vavá Afiouni
Diretor Musical: Alex Souza
Diretora de Movimento: Márcia Duarte
Diretor Assistente: Jones de Abreu
Provocadora Cênica: Aninha Franco
Cenógrafa: Maria Carmen Souza
Figurinista: Roustang Carrilho.
Supervisão de figurino e guarda-roupa de Watusi: Jones de Abreu
Iluminação: Vinicius Ferreira
Programador Visual: Denise Simone Bacellar
Fotógrafo: Alexandre Magno
Direção de Produção: Fernanda Signorini
Produção : Criaturas Alaranjadas e Signorinimkt Produções
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