domingo, 1 de fevereiro de 2015

Bilac vê estrelas (RJ)

Foto: divulgação

Na frente, Alice Borges, Gustavo Klein, André Dias, Izabella Bicalho e Reiner Tenente


As estrelas que fazem ver Bilac

“Bilac vê estrelas” é o novo ótimo musical com a assinatura de João Fonseca. Escrito a partir do livro homônimo de Ruy Castro, publicado no ano 2000, o texto é uma bem sucedida adaptação de Heloisa Seixas e de Julia Romeu. Na história, personagens reais como Olavo Bilac e José do Patrocínio são vítimas das tramoias planejadas pelos fictícios Padre Maximiliano e pela espiã portuguesa Eduarda Bandeira. Os vilões tentam roubar os projetos de construção do primeiro balão dirigível a ser produzido no Brasil na narrativa situada no início do século XX. É da trilha sonora originalmente composta por Nei Lopes o maior mérito dessa produção em cartaz no Teatro Sesc Ginástico, no centro do Rio. É vibrante perceber o quanto a plateia acolhe as canções totalmente desconhecidas, garantindo reflexões essenciais sobre a importância das produções de teatro musical que invistam em novas histórias, novas músicas além do talento das interpretações e das partes técnicas. Eis aqui uma ótima sugestão na programação de teatro carioca.

A peça se passa em 1903 no Rio de Janeiro, em plena Belle Époque brasileira. Entre os personagens, as diversas figuras ficcionais convivem com personalidades importantes da história do Brasil em que se destaca o poeta Olavo Bilac (1865-1918), o mais famoso poeta daquele momento, cujos sonetos eram celebremente decorados e lidos, além de seus artigos nos jornais serem bastante respeitados. Nos breves quadros de apresentação, o caráter de Bilac surge tratado a partir de sua fidelidade aos amigos, dentre eles, o jornalista e político José do Patrocínio (1853-1905). Desde os últimos anos do século XIX, esteve Patrocínio envolvido na construção de um balão dirigível. Na ficção de Ruy Castro, o projeto chamou a atenção da espiã portuguesa Eduarda Bandeira, enviada ao Brasil pelos irmãos Wilbur e Orville Wright, que, na vida real, ainda disputam com Santos Dumont acerca da criação do primeiro avião. Unida ao Padre Maximiliano, outro personagem fictício, grande inimigo de Bilac, Eduarda chega ao hangar no bairro Santa Cruz, onde Patrocínio mora e projeta seu balão. O ponto alto da peça se dá no dia da chegada ao Brasil de Santos Dumont, que vem da França especialmente para conhecer o projeto. Mocinhos contra bandidos, “Bilac vê estrelas”, partindo de uma narrativa com fundo lírico, fixa-se soberbamente na ótima comédia, envolvendo o público de todas as idades e de diferentes repertórios culturais.

Dirigida por João Fonseca, essa comédia tem excelente ritmo na medida em que articula bastante bem a estruturação e modificação dos quadros. Uma cena resulta na outra de forma que, nem a entrada das canções faz o texto parecer um trampolim para as músicas, nem a economia nos cenários revele uma limitação da ordem da produção. São os personagens que dizem as rubricas, situando o público nos locais onde a narrativa se dá. A quebra da “quarta parede”, nesse sentido, é causa e consequência da ótima conversa entre palco e audiência. Além disso, todos os trabalhos de interpretação são positivos, apesar de haver alguns melhores destaques, o que deixa ver que houve um ótimo trabalho de João Fonseca.

“Bilac vê estrelas” tem um ótimo conjunto de interpretações como as de Izabella Bicalho (Eduarda), Reiner Tenente (Guimarães Passos), Gustavo Klein (Coelho Neto), Saulo Segreto (Santos Dumont) e de Sérgio Menezes (José do Patrocínio). No entanto, merecem destaque os trabalhos de Tadeu Aguiar (Padre Maximiliano) e o de Alice Borges (Madame Labiche) pela forma como os excelentes usos de suas experiências, técnica e talento geram resultados positivos ao espetáculo. Suas construções são carismáticas, vivas e a falta de complexidade que o gênero dramatúrgico poderia impor resulta em méritos incontáveis para a apresentação da comédia planejada. Por fim, o melhor trabalho da montagem é o de André Dias na interpretação de Olavo Bilac. Nos quadros em que a difícil poesia parnasiana ganha voz (por exemplo, o duelo de sonetos), nas cenas em que a comédia tem lugar (Eduarda invadindo seu quarto na calada da noite) ou nos momentos de ápice da narrativa, sempre a excelente dicção, as intenções bem dispostas e a movimentação bem expressa são possíveis de ser encontradas. Um trabalho de primeira grandeza!

A peça precisa ainda ter valorizada sua parte visual. O cenário com poucos elementos de Nello Marrese, as coreografias menos rebuscadas de Sueli Guerra e o desenho de luz menos expressivo de Dani Sanches abrem espaço para o ritmo rápido da narrativa dramatúrgica e para as belas interpretações, para o figurino vistoso Carol Lobato em Mme. Labiche e principalmente para os lundus, valsas, xotes, maxixes e outros ritmos que se espalham pela vibrante composição musical de Nei Lopes. A falta de um leitmotiv, que geralmente se impõe como grande desafio para a coesão do espetáculo musical, aqui faz a peça parecer uma grande festa para um personagem brasileiro que não ficou famoso por romances, mas por suas poesias em versos alexandrinos. Excelente!

O advento do Modernismo tentou expulsar a obra de Olavo Bilac do interesse intelectual ao longo do último século. Ruy Castro, João Fonseca e Nei Lopes, com esse elenco e ficha técnica, enfim reconduzem o “Príncipe dos Poetas” para o seu lugar de destaque. As estrelas que ele viu e fez ver ainda brilham. Aplausos.

*

FICHA TÉCNICA

Baseado no livro ‘Bilac Vê Estrelas’, de Ruy Castro

Autoras: Heloisa Seixas e Julia Romeu

Música e letras de Nei Lopes

Diretor: João Fonseca

Diretor musical: Luís Filipe de Lima

Elenco: André Dias, Izabella Bicalho, Tadeu Aguiar, Alice Borges (atriz convidada), Sergio Menezes, Reiner Tenente, Jefferson Almeida, Saulo Segreto e Gustavo Klein

Músicos: Daniel Sanches, Oscar Bolão

Cenógrafo: Nello Marrese

Figurinista: Carol Lobato

Coreógrafa: Sueli Guerra

Iluminadora: Daniela Sanchez

Sound Designer: Carlos Esteves

Projeto Gráfico: Radiográfico

Assistentes de produção: Luiza Toré e Isabela Reis

Produtora Executiva: Juliana Cabral

Diretora de produção: Amanda Menezes

Coordenação geral: Maria Angela Menezes



Produção: Tema Eventos Culturais

Um comentário:

  1. Por favor, para onde estará indo esta maravilhosa peça musicada? Sou do Rio de Janeiro e infelizmente perdi as apresentações no Sesc Ginástico e no Sesc Tijuca.
    Meu email: roguimach@hotmail.com Gratíssima.

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