sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Eu não dava praquilo (SP)


Foto: João Caldas



Cássio Scapin em cena

Myrian Muniz e o homem comum

“Eu não dava praquilo” chega no Rio ao seu último final de semana depois de uma temporada de sucesso na capital fluminense. O monólogo, em que a célebre atriz paulistana Myrian Muniz (1931-2004) narra a própria vida e seus pontos de vista sobre o trabalho do ator, estreou em julho de 2013 em São Paulo. Dirigido por Elias Andreato, em seu melhor trabalho nos últimos anos, Cássio Scapin recebeu, por esse papel, os prêmios APCA (2013) e Shell (2014). O texto é assinado por ele e por Cássio Junqueira. A peça está em cartaz no Teatro I do Centro Cultural do Banco do Brasil e vale a pena ser vista.

É bonito ver que essa história, com enorme sucesso de público, não interessa só para a classe artística, mas, mais bonito ainda é refletir sobre o modo como ela atinge o homem que trabalha em todas as profissões. Nesse sentido, o melhor de “Eu não dava praquilo” é que a peça, partindo da vida de Myrian Muniz e de aspectos da profissão do ator, alcança positivamente o público em geral. A atriz e diretora homenageada não foi, afinal de contas, uma atriz de expressão popular, talvez porque tenha tido ralas experiências no cinema e na televisão apesar de considerável carreira no teatro paulista. Por outro lado, na dramaturgia de Junqueira e de Scapin, estão lá o desacerto inicial das escolhas profissionais de Myrian quando na época de sua juventude. Também o modo como ela se encontrou na interpretação e na direção teatral. Acima de tudo, estão no texto a importância do acreditar-se em si, do esforçar-se por fazer o melhor e da dedicação ao estudo, à formação e à excelência no trabalho. E são esses os motivos que podem ter aproximado a peça das grandes plateias que a produção vem recebendo. Seja ele qual for, o trabalho é uma questão que perpassa todos os seres humanos (honestos).

Há outros motivos que podem justificar o aplauso. Cássio Scapin, já com talento reconhecido nacionalmente, renova aqui seus méritos como intérprete de valor. A voz bem articulada, com dicção e entonações claras e vivas, o ritmo dos movimentos e das expressões, os detalhes do trabalho de interpretação como um todo deixam ver a personagem não como uma imitação superficial e estereotipada, mas como uma metáfora para um ser humano cheio de complexidade. A direção de Andreato, aproveitando-se da aparente intenção da dramaturgia em fugir da enumeração wikipédica dos pontos relevantes do currículo de Myrian, situa a personagem sempre diante de novos desafios. À guisa de sua importância nacional para o teatro brasileiro, a peça retrata uma profissional que não se conforma e, como todo mundo, “mata um leão por dia”.

A belíssima luz de Wagner Freire deixa ver uma possível profundidade no palco talvez como se retratasse o lugar do homem dentro de si próprio. O figurino de Fábio Namatame e a trilha sonora de Jonatan Harold perdem a oportunidade de colaborar de forma mais interessantes ao quadro infelizmente.

Lá pelas tantas, em uma cena, o público é convidado a respirar fundo, a lembrar-se de que está ali, vivendo aquele momento que nunca mais se repetirá. Coberto de segundas intenções, esse trecho, como também vários outros, oferecem à programação de teatro carioca um motivo para o homem refletir sobre si próprio. Nesse caso, a homenagem à Myrian Muniz está vibrantemente em segundo lugar. Aplausos.

*

Ficha técnica:
Roteiro: CÁSSIO JUNQUEIRA e CASSIO SCAPIN
Elenco: CASSIO SCAPIN
Direção: ELIAS ANDREATO
Figurino e Cenário: FABIO NAMATAME
Iluminação: WAGNER FREIRE
Trilha Sonora: JONATAN HAROLD
Assistente de Direção: ANDRÉ ACIOLI
Produção Executiva: ANGELA DÓRIA
Fotos: JOÃO CALDAS
Programação Visual: DENISE BACELLAR
Produção Local: RUBIM PRODUÇÕES
Direção de Produção: FERNANDA SIGNORINI
Assessoria de Imprensa: DANIELLA CAVALCANTI
Patrocínio: BANCO DO BRASIL
Realização: CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL

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