sábado, 7 de fevereiro de 2015

Para os que estão em casa (RJ)

Foto: Julia Ronai
Ana Abott, Leandro Livera, Cirillo Luna, Adassa Martins,
Isabel Lobo e (de costas) João Velho em cena


Vale a pena assistir!

“Para os que estão em casa”, espetáculo escrito e dirigido por Leonardo Netto, é melhor que o filme em que a peça livremente se inspirou, “Denise está chamando” (Denise calls up, 1996) do americano Hal Salwen. Não só pelas interpretações, também não apenas pela atualidade do tema, mas esta montagem é principalmente melhor porque parece que o teatro teve muito mais a contribuir com a obra do que a arte cinematográfica. Em cartaz no Teatro de Arena, do Espaço Sesc Copacabana, a produção sugere uma excelente reflexão sobre como é fácil nos acostumarmos com a solidão nesses tempos repletos de contatos unicamente virtuais.

A história começa com Vera (Ana Abott) telefonando para Lídia (Adassa Martins) para saber como foi sua festa da noite anterior e para se desculpar por não ter podido ir. Então, Lídia relata que, embora tenham sido muitos os convidados, ninguém apareceu. Chateada, Vera se frustra também porque havia planejado um encontro às cegas entre sua amiga Guida (Isabel Lobo) e Jorge (Renato Livera), amigo de Fred (Cirillo Luna), seu ex-namorado. Em outro ponto da história, Claudio (João Velho), amigo de Jorge, recebe o telefonema de uma estranha, dizendo que será mãe de um filho seu. Há um ano, ele havia doado espermatozoides seus para uma clínica de fertilização. Alice (Beatriz Bertu), a receptora, conseguiu o contato do doador e agora lhe dá a notícia. Assim por diante, os sete personagens entram em contato uns com os outros e com outros mais sempre virtualmente. Diferente do filme, a encenação de Leonardo Netto propõe que seis entre as sete principais figuras sempre estejam sendo vistas no palco, o que proporciona uma imagem muito mais ampla sobre o universo de de cada um.

Bastante comparáveis a Woody Allen, o tom dos diálogos de “Denise está chamando” foi mantido positivamente em “Para os que estão em casa”, mas a presença física e real dos atores diante da audiência faz com que os personagens sejam contemplados através de seu abandono. Sem nunca terem se visto, dois personagens se conhecem, se apaixonam, mentem e também discutem a relação. Sem jamais ter havido qualquer encontro real entre os pais, uma família se forma com o nascimento de um bebê. Um personagem morre em um trágico acidente de carro enquanto falava ao telefone de forma que o aparelho celular acaba sendo enterrado no crânio dessa vítima. Essas e as outras imagens dão a ver o modo como, na esfera virtual, a hierarquia das importâncias pode ser diferente da dos encontros reais. O mais bonito talvez seja perceber o quanto essas figuras se acostumaram com a imagem que criaram para si a ponto de não mais conseguirem lidar consigo próprias, enfrentarem-se e porem-se diante do outro de verdade quando a oportunidade enfim surge. Durante todas as quase duas horas de espetáculo, os atores nem mesmo se olham nos olhos. É aterrador!

Leonardo Netto tem o mérito de impor a monotonia como conteúdo nesse trabalho. Ao longo da peça, quatro grandes momentos são sucedidos por longos quadros em que quase nada acontece. É interessante, de um lado, identificar o quanto a direção consegue resgatar a atenção do público e pô-lo novamente em estado de alerta. Por outro turno, é vibrante o modo como a peça se apresenta como metáfora da vida real em que, pincelada por atos mais narrativos, nosso dia a dia é coberto de horas mortas. Pela grande sensibilidade, Netto é digno dos aplausos.

Na medida em que os intérpretes, dando conta de seus quadros com vivacidade, manifestam habilidade em estar constantemente ativos em cena, mas sem puxar o foco. O conjunto de personagens tão heterogêneos é igualmente carismático. Por seus méritos, “Para os que estão em casa” se comunica bastante bem com todo o público apesar das diferenças de idade que poderiam resultar em recepções diversas pelo uso diversificado da internet e dos meios virtuais de comunicação. Impossível destacar qualquer trabalho em um conjunto tão coeso de boas contribuições.

A assinatura de José Dias no cenário é uma grata surpresa. Ultimamente autor de espaços cênico-narrativos tão enrijecidos em suas formas, eis aqui uma ambientação fluída, feita com poucos mas pontuais elementos significativos que é positiva. Já elogiado muitas vezes, mas também aqui, Aurélio de Simoni faz nobre contribuição com o desenho de luz e Marcelo Olinto apresenta discretamente os personagens enquanto os aproxima do público com um figurino bem realista.

Há algum tempo, os conceitos de virtual e de real pairam na cabeça de muitos filósofos da contemporaneidade. Para muitos deles, o virtual é aquilo que só se realiza no atual, deixando de ser quando acontece. Porque, diferente do filme, o teatro é sempre um acontecimento atual, “Para os que estão em casa” talvez consiga dizer melhor o que “Denise está chamando” outrora tentou atualizar. Vale a pena assistir, isto é, estar lá.


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FICHA TÉCNICA
Texto: Leonardo Netto
Concepção e Direção: Leonardo Netto
Elenco: Adassa Martins, Ana Abbott, Beatriz Bertu, Cirillo Luna, Isabel Lobo, João Velho e Renato Livera
Participação em vídeo: Andréa Dantas e Santiago Karro Trémouroux
Cenário: José Dias
Iluminação: Aurélio de Simoni
Figurinos: Marcelo Olinto
Vídeos: Leonardo Netto e Renato Livera
Trilha Sonora: Leonardo Netto
Design Gráfico: Lê Mascarenhas
Fotografia: Vicente de Mello
Assistência de Direção: Júlia Rónai
Direção de Produção: Luísa Barros
Produção Executiva: Carol Kern
Realização: Fulminante Prod. Culturais e Capitão Comunicação e Cultura
Parceria: SESC

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