quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Hora Amarela (RJ)

Foto: André Wanderley

Deborah Evelyn e Emílio de Mello

Um filme ruim


“Hora amarela”, nova peça dirigida por Monique Gardenberg, é tão monótona quanto um filme enlatado americano. Escrita pelo dramaturgo estadunidense Adam Rapp, a peça estreou em 2012 em Nova Iorque sem chamar qualquer atenção do grande público, recebendo críticas negativas e apenas uma indicação de Melhor Desenho de Som ao Drama Desk Award de 2013. A versão brasileira, protagonizada por Deborah Evelyn e com Emílio de Mello no elenco, entre outros, tem trabalhos de interpretação bastante ruins, mas traz boas contribuições da equipe técnica no desenho de cenário, figurino, iluminação e de trilha sonora. A peça está em cartaz no Teatro II do Centro Cultural do Banco do Brasil.

Na historia, em algum lugar do futuro, a cidade de Nova Iorque foi invadida por extremistas islâmicos que espalharam bactérias capazes de destruir a saúde dos habitantes. Além disso, homens e mulheres foram presos, mutilados e mortos em um banho de sangue presente em toda a parte. Quando a peça começa, já faz cinquenta e dois dias que a enfermeira Ellen (Deborah Evelyn) está sozinha, auto-encarcerada no porão de sua casa. O local é invadido por um Homem Sírio (Daniel Infantini) que não fala inglês e, por isso, não é compreendido, sendo morto por Ellen, desesperada nessa situação em que se encontra. Dias depois, ela abre a porta de sua casa para Maude, uma mulher (Isabel Wilker) que surge trazendo sua filha para vender em troca de drogas. Há ainda o professor Hakim (Emílio de Mello), também desconhecido, que diz trazer notícias sobre seu marido até então desaparecido. Por fim, meses depois mas na mesma situação, três novos personagens se encontram com Ellen já emocionalmente debilitada. Um Médico (Emílio de Mello) examina minuciosamente a bebê de Maude, acompanhado de uma Assistente (Daniele do Rosário). Quando eles saem, fica em seu lugar um Jovem Negro (Darlan Cunha) que até então vivera com eles em uma colônia dirigida por homens brancos que pretendem purificar a raça humana, coexistindo (não se sabe como) ao horror estabelecido pelos extremistas islâmicos. O título “Hora Amarela” diz respeito à trégua que parece haver naquele mundo ficcional na hora da tarde em que os seguidores de Alá deitam suas armas para o momento de oração. Completamente presa a uma cultura do pânico, motivada por ataques terroristas, mas beneficiada pelos bilhões de dólares investidos em assuntos relacionados à guerra, essa peça de Adam Rapp, traduzida por Isabel Wilker, reproduz uma visão superficial de mundo que atende a interesses comerciais específicos infelizmente.

A direção de Monique Gardenberg estabelece - e defende - a existência de uma firme “quarta parede” que protege (?) o elenco do público. Com um desenho de interpretações realistas, no cenário também realista de Daniela Thomas, os personagens apresentam e lidam com seus problemas sem qualquer intenção de aproximar a peça do público. Se o clima nos Estados Unidos em relação aos seus inimigos é esse, no Brasil a história é outra. Sem crítica alguma, com um enlatamento de um contexto cultural que pouco se aproxima do nosso, a versão brasileira de “Hora Amarela” mais parece um filme de TV aberta disposto a meramente entreter.

Não há bons trabalhos de interpretação no elenco. A emoção exagerada e a inércia dividem a narrativa em uma alternância cambaleante. Há bons momentos nos trabalhos de Emílio de Mello e de Daniele do Rosário, representando, nas pausas, a frieza que está também expressa nos figurinos, mas há também as péssimas contribuições de Darlan Cunha e de Isabel Wilker, cujas interpretações parecem esconder, na apatia, um desapego fora do contexto. Deborah Evelyn traz uma construção exaustivamente linear que deixa apenas para o texto a responsabilidade de fazer movimentar a história pelo tempo e transformar o significado do espaço.

Os únicos méritos de “Hora Amarela” dizem respeito ao cenário, ao figurino, à iluminação e à trilha sonora. Daniela Thomas e Camila Schmidt deixam ver o porão como um depósito em que o acesso fica na parte superior, por onde se chega caminhando por sobre móveis justapostos. No fundo, à esquerda, a dupla de cenógrafas situou a banheira que os personagens usam para tomar banho. Ainda que dividido em pequenos espaços heterogêneos, o ambiente se equilibra evidenciando ainda o caos do mundo ficcional que entra em colapso lá fora. Os figurinos de Cassio Brasil agem no mesmo sentido, apresentando os personagens e as situações em que eles se encontram as quais deveriam apenas ser ponto de partida para a dramaturgia e para a encenação e não o todo de cada uma. Maneco Quinderé, como também Lourenço Rebetez e Zé Godoy, auxiliam na criação de certa complexidade através do desenho de luz e da trilha sonora original, esses que operam na tentativa de marcar com nuances os quadros existentes.

Com mais de cem minutos, a versão brasileira de “Hora Amarela” sustenta a pergunta sobre o que essa peça, sem relevância em seu país de origem, tem a nos dizer. Possivelmente a resposta será tão tola quanto os filmes ruins que televisão aberta não se cansa de reproduzir.



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Ficha técnica:

Texto: Adam Rapp

Tradução: Isabel Wilker

Direção: Monique Gardenberg

Elenco: Deborah Evelyn, Isabel Wilker, Emílio de Mello, Darlan Cunha, Daniel Infantini e Daniele do Rosario

Cenografia: Daniela Thomas e Camila Schmid

Figurinos: Cassio Brasi

Iluminação: Maneco Quinder

Trilha Sonora Original: Lourenço Rebetez e Zé Godo

Assistente de direção: Mila Portela

Assistente de iluminação: Felício Mafra e Orlando Schaider

Assistente de produção: Lis Maia

Diretor de cena: Geison Brito

Design Gráfico: Ana Carolina Montenegro e Rita Sepulveda

Direção de Produção: Dadá Maia

Realização: Calligaris Produções Literárias e Artísticas e Mônica Torres

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