terça-feira, 3 de junho de 2014

Uma pilha de pratos na cozinha (RJ)

O cenário e o figurino são assinados por Daniele Geammal
Foto: divulgação

Racional

Em “Uma pilha de pratos na cozinha”, os excelentes cenário e figurino de Daniele Geammal revelam mais do universo de Mario Bortolotto do que todos os demais elementos. Primeira direção de Alexandre Borges, o espetáculo, cujo projeto ajuda a celebrar os 30 anos da companhia paulista Cemitério dos Automóveis, tem boa interpretação de Rodrigo Rosado, mas um mal desempenho dos demais atores do elenco. Em cartaz no Teatro Glaucio Gill, vale a pena ver a peça pela importância desse que é um dos maiores dramaturgos da história contemporânea do teatro brasileiro.

“Uma pilha de pratos na cozinha” começa quando Daniel (Akin Garragar) entra no apartamento de Júlio (Rodrigo Rosado) e o encontra absorto, bebendo em sua mesa. O diálogo entre os dois inicia e temas como mulheres, bebidas e drogas surgem. Breno (Lozano Raia), o síndico, também aparece em busca de drogas. O último personagem que entra é Cristina (Silvana D’Lacoc). Então, fica-se sabendo que ela e Júlio têm uma história em comum que pode ter terminado para os dois, para apenas um deles ou pode não ter terminado. Nesse contexto, não é possível dizer se os personagens vivem bem ou mal, mas apenas que vivem, estando todos eles além de qualquer moral, livres de qualquer crítica, libertos de qualquer lei de causa e de efeito. Em Bortolotto, autor dos célebres “Nossa vida não vale um Chevrolet” e “Homens, santos e desertores”, a vida existe independente das condições, impondo consequentemente a sua poética. De um modo geral, não é o que se vê nessa montagem infelizmente.

O trabalho de Alexandre Borges resulta em uma encenação enfeitada em que os atores se esforçam para dizer bem o texto, posicionar-se corretamente sob a luz de Aurélio di Simoni, situar-se no cenário de forma adequada. Equivocadamente a montagem está comportada demais e o erro aqui não é apontado diante de um certo irrevogável, mas por uma manifesta incoerência da concepção da direção em relação ao texto de Bortolotto. Os diálogos de “Uma pilha de pratos na cozinha” não opinam sobre os personagens: não há divisão em cenas, não há justificativas claras para o pertencimento dessas figuras ao lugar onde a peça acontece, não há motivos expressos para eles saírem ou para entrarem. Como em Beckett, dadas as devidas proporções, eles apenas estão e essa é sua resistência, sua força, seu mérito. Ao tentar dar sentido para as ações, ao apresentar uma psicologização dos personagens, Borges tira do espectador o privilégio máximo de ser único capaz de refletir sobre a situação.

No elenco, Rodrigo Rosado é o único que consegue a contento apagar as marcas de um texto previamente decorado e aproximar, assim, Júlio do público. A ideia de um todo complexo, vivo e natural se dá a ver em sua atuação: o Júlio de Rosado se entedia com a presença de Daniel com a mesma força que lhe dá atenção, se comove com Cristina com a mesma indiferença que a vê drogar-se. O personagem protagonista infelizmente é o único que é parte do espaço, embora Silvana D`Lacoc consiga esse resultado com sua Cristina em alguns momentos também.

Diferente do uso do termo que muita gente faz, uma interpretação naturalista não é aquela próxima do real. Primeiro, a ideia de real é um tema cada vez mais controverso em um mundo em que ladrões são eleitos deputados e passarelas caem sobre taxis na Linha Amarela. Segundo, natural vem de natureza, um contexto nada racional em que mães comem seus filhotes, camarões se alimentam de fezes e quase tudo que é bom é também mau. Herdeiro do teatro de Plínio Marcos, Mario Bortolotto precisa ter seu realismo naturalismo valorizado. 

*

FICHA TÉCNICA:
Texto: Mário Bortolotto
Direção: Alexandre Borges
Elenco: Rodrigo Rosado (Júlio) Silvana D’Lacoc (Cris), Akin Garragar (Daniel), Lozano Raia (Breno)
Iluminação: Aurélio di Simoni 
Assistente de direção: Vivian Duarte
Cenografia e Figurino: Daniele Geammal 
Administração financeira: Letícia Nápole
Programação Visual: Thiago Ristow
Gerente de produção: Anne Mohamad
Direção de produção: Aline Mohamad
Assistente de produção: Ayrton Miguel 
Assessoria de Imprensa: Minas de Ideias
Produção Geral: Fabricio Chaniello e Fábio Amaral 
Realização: Ymbu Entretenimento

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