quarta-feira, 25 de junho de 2014

As três irmãs (RJ)

Elenco de "As três irmãs" em cena
Foto: divulgação

Muitos méritos

Há muitos méritos na montagem de “As três irmãs”, de Anton Tchekhov, que a diretora Morena Cattoni brilhantemente assina. Em cartaz no pátio do Casarão Austragésilo de Athayde, no bairro Cosme Velho, a peça tem ótimos trabalhos de interpretações de Paula Sandroni, Gisela de Castro e de Julia Deccache nos papéis-título. Principalmente por ser raro alguém investir no realismo psicológico com tanta coragem, vale a pena ver esta montagem.

Escrita em 1901, a peça “As três irmãs”, do russo Anton Tchekhov (1860-1904), trata de uma ferramenta psicológica de que o ser humano dispõe para não enfrentar a realidade mais dura. Olga (Paula Sandroni), Macha (Gisela de Castro), Irina (Julia Deccache) e Andrei (Rodrigo Cirne) são os irmãos Prozorov que há onze anos não moram mais em Moscou, mas que conservam dessa cidade uma lembrança um tanto quanto turva. Quando a peça começa, é aniversário de 20 anos de Irina, a mais jovem. De um modo geral, para todos, incluindo os visitantes, a vida na pequena cidade de interior onde a história acontece é monótona e cheia de decepções. Principalmente para as três irmãs, os sonhos vão ficando cada vez mais difíceis de se realizar com o passar dos anos e as soluções dos problemas vão sendo postergados em um desânimo crescente. Ir para Moscou, lugar idílico onde tudo parece ser melhor, fica gradativamente mais impossível terrivelmente. No texto, como se tivesse uma faca cega nas mãos, um dos maiores escritores russos faz sangrar os leitores aos poucos, entretendo com conversas frívolas e com duelos melodramáticos para, no final, apresentar a situação desoladora. Não há para onde ir. Sessenta anos depois, o dramaturgo Edward Albee irá escrever uma história similar em “Quem tem medo de Virgínia Woolf?”. Morto o filho imaginário de Marta e de George, o casal precisará sentar e resolver seus próprios problemas. Finda a última chance de um dos irmãos Prozorov irem para Moscou, será preciso enfrentar a realidade. Lá como cá, a história continua na cabeça do espectador.

Quanto às interpretações, há que se elogiar Sandroni, Castro, Deccache e Cirne, mas também os ótimos trabalhos de Cássio Pandolph, como Tchebutikin, e de Natasha Corbelino, como Natasha. No realismo psicológico, não há tipos, mas figuras consistentes dentro das quais a história acontece. Nos nomes destacados, é possível identificar o que está por trás de cada silêncio, de cada comentário, de cada ato por mais contido que possa ser. Parafraseando Vera Karam, há um incêndio sob a chuva rala, um fogo que insiste em roubar oxigênio e existir apesar da água que não pára de cair. É bonito ver o trabalho desses intérpretes com óbvios elogios à direção.

O único problema da montagem dirigida por Morena Cattoni, assistida por Daniel Chagas, é a má utilização do belíssimo espaço. Para quem está sentado na plateia de “As três irmãs”, pouco importa que haja um casarão belíssimo próximo se esse lugar estiver às costas. Sentada nos fundos do casa onde morou o escritor Austragésilo de Athayde (1898-1993), a plateia, durante as quase duas horas de espetáculo, vê apenas um jardim esteticamente muito interessante no início da peça, mas prejudicial com o passar do entardecer. A temperatura baixa no inverno e os mosquitos virão no verão, mas, mais importante, a ausência de iluminação cênica desprivilegia desde já os momentos e faz do ritmo maravilhosamente lento de Tchekhov um carro substancialmente parado. Não se entende porque, diante da meritosa decisão de fazer a peça inteira (sem cortes) nesse espaço, não se o utiliza de forma mais inteligente, substituindo a ausência de luz pelo fornecimento de novas paisagens.

Não há dúvidas de que as redes sociais são esses lugares imaginários nos quais se deposita a atenção quando não se quer pensar sobre a vida. Aplausos ao grupo que viu que “As três irmãs” ainda é muito contemporâneo.

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FICHA TÉCNICA
Texto: Anton Tchekhov
Direção: Morena Cattoni
Assistente de direção: Daniel Chagas
Idealização: Paula Sandroni, Gisela de Castro e Morena Cattoni

Elenco: Arthur Rozas, Carlos Neiva, Cássio Pandolph, Chica Oliveira, Gisela de Castro, Julia Deccache, Jean Machado, José Gomide, Marcelo Morato, Natasha Corbelino, Paula Sandroni, Paulo Roque e Rodrigo Cirne.

Figurino: César Soares
Direção de arte: Luciana Craveiro
Produção: Maria Fernanda Marques
Coordenação do Casarão Austregésilo de Athayde: Clara Sandroni
Preparação vocal: Verônica Machado

3 comentários:

  1. Adorei tudo! Amei a montagem, nem os mosquitos tiraram o brilho da peça♥

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  2. Realmente uma belíssima montagem. Já eu adoro o uso do jardim como cenário.

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  3. Eu adorei ser no jardim, mas tb acho que poderiam ter usado os outros espaços.Amei

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