quarta-feira, 11 de junho de 2014

O cachorro riu melhor (RJ)

Reiner Cadete, Julio Rocha e Danielle Winits em cena
Foto: divulgação

Excesso ruim de sensualidade

“O cachorro riu melhor” tem boas interpretações, mas a concepção de direção compromete negativamente o trabalho. O espetáculo é uma tradução de Artur Xexéo para a comédia de Douglas Carter Beane e tem Danielle Winits, Júlio Rocha, Reiner Cadete e Sara Freitas no elenco. A direção de Cininha de Paula não favorece o trabalho do elenco, exibindo uma concepção difícil. A produção é da MF e de Sandro Chaim. 

O americano Douglas Carter Beane, que ficou famoso pelas versões de “Xanadu” e de “Mudança de Hábito” (agora o recente “Cinderella”) para os palcos da Broadway, escreveu “O cachorro riu melhor” em 2006, tendo sido o espetáculo indicado ao Tony de Melhor Peça. O título “The little dog laughed” mais ou menos quer dizer que os aparentemente mais fracos também vencem. A história versa sobre o poder de manipulação de uma agente em relação ao seu agenciado, no caso da versão brasileira, um ator global. Diane agencia Mitchell, prestes a se tornar o protagonista de um filme, que se apaixona pelo garoto de programa Alex e que quer assumir publicamente o seu novo relacionamento. Na visão de Diane, esse seria o tipo de notícia que arruinaria seus planos, pois um galã precisa, pelo menos aparentemente, gostar de mulheres. Por outro lado, Mitchell também tem um objetivo forte: ele quer ser feliz e, para isso, precisa tomar algumas decisões sobre sua vida profissional a revelia do que determina a sua agente. Nesse sentido, no texto de Beane, como em qualquer bom texto, o protagonista só é forte se forte também for o antagonista. Em outras palavras, o tamanho do mérito tem total relação com o tamanho do desafio a ser vencido. Na montagem brasileira de “O cachorro riu melhor”, o problema está na concepção de direção. 

A direção de Cininha de Paula parece negativamente subestimar os trabalhos de interpretação de Reiner Cadete (Alex) e de Júlio Rocha (Mitchell/Matheus), fazendo-os vestir e desvestir suas roupas muitas vezes logo nos primeiros minutos de cena e permitindo-os deixar ver composições de personagens cheias de afetação, trejeitos e de comportamentos estereotipados que constrangedoramente superficializam os personagens. Observando as marcas e os trabalhos de contracena, os problemas desses dois personagens não são páreo para a força de Diana (Danielle Winits), dramaturgicamente privilegiada por ser a narradora da história. É possível notar que o personagem de Diana também está descaracterizado: o trabalho de Winits reforça o falar coloquial e direto com o público e, como acontece com Cadete e com Rocha, o elemento mais importante da peça parece ser o corpo sarado da intérprete. Assim, como nas novelas popularescas das sete, “O cachorro riu melhor” parece um grande (e ruim) pretexto para exibir corpos sensuais em um contexto pobre na melhor das hipóteses. 

À parte esses entraves, se se procurar bem, encontram-se bons momentos nos trabalhos de interpretação que sobrevivem a essa insistência em exibi-los apenas como corpos sensuais expostos em vitrine. Cadete, Rocha e Sara Freitas movimentam bem as palavras nas frases, conduzem bem as intenções, fazem a sua parte na estruturação das cenas que organizam a história. Danielle Winits tem ótimo diálogo com o público, dando naturalidade para os diálogos brilhantemente. 

De todos, o pior elemento em cena é o cenário de José Dias. No centro, uma cama ilustra o hotel onde Matheus se encontra com Alex. A cama é redonda, os lençóis são pretos, há um espelho sobre ela, as mesas laterais são de madeira pintadas de vermelho bem como as cadeiras. Todo o carpete do palco é vermelho. Em nenhuma parte, o cenário contribui com o tipo alta classe que o texto, de um modo geral, tematiza (com exceção das cenas de Alex e de sua namorada). Não se supõe que um ator global que mora em São Paulo, quando em viagem ao Rio, se hospede em um hotel que não um de alto padrão. Da mesma forma, os restaurantes e demais lugares onde esses personagens se encontram não teriam mesas como a que se veem. E não há motivos estéticos que justifiquem um carpete vermelho na mais cuidadosa das leituras. O figurino de Sônia Soares também não é bom. Seguindo, talvez, a concepção da direção, reforça a mera sensualidade dos atores, vestindo Júlio Rocha em calças e em camisas apertadíssimas que fogem da elegância. Winits aparece em vestidos decotados e igualmente ratificantes de um figura que não é da personagem Diana. 

Por fim, o tema da manipulação, que provavelmente fez desse texto meritoso em montagens internacionais, não sobreviveu na montagem brasileira porque a direção não soube cortar o laço entre Júlio Rocha e Danielle Winits e seus personagens sensuais nas novelas da Globo. Aqui a questão do galã que precisa abafar a homo ou a bissexualidade prevaleceu negativamente. E esse é um tema cafona em um mundo em que os homens gays atraem as mulheres héteros e os homens gays além de conquistarem cada vez mais o respeito da sociedade como um todo felizmente. Ao negar isso, “O cachorro riu melhor”, porque é uma comédia, termina com um gosto amargo de inconveniência. 

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Ficha Técnica
Autor - Douglas Carter Beane
Versão Brasileira - Artur Xexéo
Direção - Cininha de Paula
Elenco - Danielle Winits, Júlio Rocha, Rainer Cadete e Sara Freitas
Cenário - José Dias
Figurinos - Sonia Soares
Trilha Sonora - Ricardo Leão
Assistente de Direção - Gustavo Klein
Produtor Executivo - Edgard Jordão
Produção Geral – Sandro Chaim
Realização – MF e Chaim Produções
Patrocínio: Ministério da Cultura, Vivo e Porto Seguro

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