domingo, 15 de junho de 2014

Qualquer gato vira-lata tem uma vida sexual mais sadia que a nossa (RJ)

Victor Frade, Marcos Nauer e Monique Alfradique em cena
Foto: divulgação

Excelente comédia!

“Qualquer gato vira-lata tem uma vida sexual mais sadia que a nossa” é uma surpresa bastante boa. O título pressupõe mais uma comédia de humor rasteiro, com roteiro pífio e interpretações muito aquém do bom teatro. Nada disso! De fato, é uma comédia, mas o texto de Juca de Oliveira é recheado de bons momentos que estruturam uma trama complexa. Além disso, os trabalhos de interpretação de Monique Alfradique, Victor Frade e de Marcos Nauer são bastante meritosos e os investimentos estéticos da produção dirigida por Bibi Ferreira bastante ricos. Em cartaz no Shopping da Gávea, a peça que, entre 1998 e 2002, levou mais de um milhão de pessoas ao teatro, recebe nova montagem assinada pela Brainstorming Entretenimento.

Juca de Oliveira escreveu “Qualquer gato vira-lata...” para a filha que havia terminado um namoro. Na peça, Tati é uma estudante de direito que namora Marcelo, um boa vida, que vive do dinheiro do padrasto, não trabalha e não estuda. Depois de mais uma briga, Tati assiste a uma palestra com o Prof. Conrado, que compara o comportamento humano com o dos animais dentro da teoria evolucionista do britânico Charles Darwin. Em linhas gerais, segundo Conrado, a mulher deve ser a conquistada, ocupando assim corretamente o seu lugar na evolução. O contrário disso é responsável pelo acanhamento masculino, esse sinal do desequilíbrio natural da sociedade contemporânea. Durante as aulas que Conrado dá à Tati, o público fica diante de um posicionamento bastante machista, obsoleto e reprovável dos diálogos de Juca de Oliveira, mas não de forma inconsequente. Apesar de dar certo, a nova Tati que vemos nascer trará outras consequências, nem todas elas positivas para Conrado e negativas para Marcelo. O texto ganhou o troféu APETESP em 1999 na montagem também dirigida por Bibi Ferreira, com Rita Guedes (Tati), Marcos Pasquim (Conrado) e com Roger Gobeth (Marcelo) no elenco. Em 2011, virou filme dirigido por Tomas Portella, com Cleo Pires (Tati), Malvino Salvador (Conrado) e com Dudu Azevedo (Marcelo).

Para o espectador, a experiência é bastante interessante. A postura crítica diante dos três personagens, do que eles dizem e do como se expressam, não impede o divertimento causado pelas situações em que eles se envolvem. Como são três figuras limítrofes, não é possível ficar totalmente ao lado de nenhum deles. Mesmo assim, o desejo de saber como a forma do texto vai terminar não diminui a torcida para que os personagens se resolvam. Quanto mais a narrativa da peça avança, mais a plateia se divide e mais difícil fica fazer opções. Nesse sentido, a habilidade de Juca de Oliveira está expressa na construção de um roteiro que é engraçado e inteligente ao mesmo tempo, em que a comédia rasgada brasileira se mantém sem dar supostamente lugar ao humor europeu. Para isso, claramente, foi preciso uma boa direção e ótimas interpretações.

É muito difícil encontrar concílio entre estereótipos e profundidade, porque se tratam de conceitos opostos. Brilhantemente, em “Qualquer gato vira-lata...”, encontram-se um professor bastante racional em que se sugere um certo fracasso discreto apesar do discurso da prosperidade. Interpretado por Victor Frade, Conrado não é sensual, mas transmite uma segurança que é, por fim, atraente. Com bastante carisma, o Marcelo de Marcos Nauer, por sua vez, é tão escroto quanto sexy, tão frio quanto sensível, tão inseguro quanto simples positivamente, expressando a sua parcela de complexidade que a montagem impõe. Por sua vez, Monique Alfradique dá a ver uma Tati belíssima que sintetiza os opostos masculinos, oferecendo uma terceira posição. A inteligência se encontra com a beleza, a sensualidade com a elegância, a sensibilidade com o equilíbrio. Com vigor, a protagonista faz jus ao seu lugar na narrativa, trazendo bom lugar para o conflito aparecer, se desenvolver e evoluir. Vale destacar a agilidade da direção de Bibi Ferreira, assistida por Rafaela Amado e por André Garolli, construindo cenas em ritmo fluente, cheio de detalhes e com pausas muito bem postas.

Como elogiado no início, o cenário (Renato Scripiliti e Natália Lana), o figurino (Bruno Perlatto), a trilha sonora (Vicente Coelho) e a iluminação (Daniela Sanchez) prestigiam a comédia, oferecendo potência no cuidado de cada trecho dessa narrativa, além de uma concepção realista amarrada e inteligente.

Não se pode deixar de dizer que “Qualquer gato vira-lata tem uma vida sexual mais sadia que a nossa” ganha elogios apenas pelas intenções e pelas suas boas articulações. Sabiamente, como pouco se vê, a Brainstorming Entretenimento viabilizou uma temporada em horário alternativo antes de oficialmente estrear o espetáculo para a crítica e para o público geral. Como se faz com as grandes produções, esses momentos anteriores “esquentam” o trabalho de forma a valorizar a peça com o que de melhor a obra possa conter. O resultado positivo, assim, não vem “do nada”, mas de um trabalho que merece ser aplaudido. E o é.

*

FICHA TÉCNICA:
Texto: Juca de Oliveira
Direção: Bibi Ferreira
Diretores Assistentes: André Garolli e Rafaela Amado
Elenco: Monique Alfradique (Tati), Victor Frade (Conrado) e Marcos Nauer (Marcelo).
Cenografia original: Renato Scripiliti
Cenografia: Natália Lana
Figurinos: Bruno Perlatto
Iluminação: Daniela Sanchez
Gerente de Produção: Tiago Morenno
Direção de Produção: Lucas Mansor
Produtores: Juliana Reder e Frederico Reder
Realização: Brainstorming Entretenimento

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