No centro, Debora Lamm em mais um excelente trabalho |
O bom jogo de poder
“Cock – Briga de galo” é sobre poder. Sobre o quanto você (acha que) pode modificar a vida de alguém, sobre os prêmios em caso dessa vitória ou sobre as consequências resultantes dessa derrota. Na superfície narrativa, John (Felipe Lima) conhece W (Debora Lamm) depois de estar casado há sete anos com M (Márcio Machado) e nunca na vida ter tido relações heterossexuais. O acontecimento divide sua cabeça e é aí que começa a “partida”. Idealizado por Felipe Lima, a primeira montagem desse texto do britânico Mike Bartlett (mesmo autor do brilhante “Contrações") no Brasil vem com boa direção de Inez Viana e está em cartaz no Teatro Poeira, em Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro. Destaque para o brilhante trabalho de interpretação de Debora Lamm.
Interessada mais no jogo strindberguiano de poder do que propriamente em se identificar com o protagonista, a plateia espera pelo fim enquanto há motivos para dúvidas. No texto de Bartlett, M e W são como dois lados de uma mesma moeda (Favor notar que W é M ao contrário.), pois somente a justa equanimidade entre os dois personagens pode dar força para história em que John precisa escolher se abrirá mão do relacionamento de sete anos com M para ficar com a gentil W. Nesse sentindo, M oferecerá os sete anos de convivência e o quanto ele sabe sobre John para vencer a disputa. W, por sua vez, trará o carinho, o afeto, a docilidade a seu favor. O sarcasmo de M será a gentileza de W. A estabilidade financeira de M e os poucos ganhos mensais de W estarão de um lado enquanto a insegurança de M e a determinação de W estarão de outro e assim por diante. Bartlett reforça que John precisa escolher um dos dois, ratificando seu interesse pelo jogo em desfavor da construção de uma retrato de uma realidade. Na direção de Inez Viana, essa relação é sugerida, mas não acontece de todo infelizmente.
Márcio Machado, movimentando a cabeça de um lado para o outro em forma de “não” em quase todas as frases quase repete o seu personagem de “Maravilhoso” (texto de Diogo Liberado, direção também de Inez Viana), apenas sugerindo uma certa sensibilidade e humana insegurança que deve haver por trás de suas opiniões manifestadamente fortes e afiadas. Não há nada sedutor em M que evidencie chances de John, interpretado por Felipe Lima, continuar com ele. Com a voz em um grave lugar seguro, Felipe Lima, cuja beleza não é negada, corretamente sustenta o personagem-chave em um limbo de sensações. É fácil chegar até o seu John, mas positivamente é difícil alcança-lo. Suas opiniões mornas adequadamente são aquilo que há de irritar os dois personagens antagonistas, o que justifica um trabalho positivo de Lima. No entanto, os melhores momentos da peça estão quando chega W, de Debora Lamm, e, depois, F, de Hélio Ribeiro.
Nas primeiras cenas, Debora Lamm dá a ver sua W como uma espécie de Macabéa (“A hora da estrela”, Clarice Lispector), um misto sem forma e sem vida que representa um oásis confortável para John depois do bélico M. É muito ternamente que a docilidade da personagem vai ganhando caráter enfrentativo e sobretudo complexidade com o passar das cenas. Porque constrói uma figura carinhosa sem ser boba, não de todo altruísta, mas também interessada no próprio bem estar, Lamm eleva a complexidade de W e a distancia de M. A dúvida sobre quem John deve escolher quase desaparece. Felizmente, a entrada de F (“Father” talvez) , pai de M, volta a equilibrar o jogo e bem prepara o fim. A participação de Hélio Ribeiro é especialíssima: o personagem do pai que vem defender o filho e ajuda-lo a reconquistar o namorado já seria tocante por si só não fosse a forma graciosa com que Ribeiro se movimenta pelo espaço, gesticula e diz o texto.
De um modo geral, isto é, para além das contribuições de cada personagem, o jogo construído por Inez Viana, assistida por Luiz Antonio Fortes, a partir do texto de Bartlett, é vibrante. Postos em arena, os personagens estão rodeados pelo público nos quatro lados. Não há cenários, nem adereços, os figurinos não mudam e tudo acontece somente no texto e na contra-cenação, o que exibe um teatro vigoroso excelentemente meritoso. As cenas de nudez e de sexo são momentos de rara beleza que evidenciam uma inteligência estética, visual, cênica de Inez Viana que é bastante elogiável. Como um todo, “Cock – Briga de galo”, que tem ótima paleta de cores e de formas nos figurinos de Júlia Marini, e bons momentos na iluminação de Renato Machado e na trilha sonora original de João Callado, agrada e elogia o público firmemente.
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Ficha Técnica
TEXTO - Mike Bartlett
TRADUÇÃO - Eduardo Muniz e Ricardo Ventura
DIREÇÃO - Inez Viana
ELENCO - Felipe Lima, Debora Lamm, Márcio Machado e Helio Ribeiro
IDENTIDADE VISUAL – Gabriel Medeiros
FIGURINO - Julia Marini
LUZ - Renato Machado
TRILHA SONORA - João Callado
DIREÇÃO DE MOVIMENTO - Dani Amorim
ASS. DE DIREÇÃO - Luiz Antonio Fortes
PRODUÇÃO EXECUTIVA – Miguel Mendes
GERENCIAMENTO DO PROJETO – Gabriela Mendonça
DIREÇÃO DE PRODUÇÃO – Paula Salles
GESTÃO E PRODUÇÃO – PRIMEIRA PÁGINA PRODUÇÕES CULTURAIS
IDEALIZAÇÃO – FELIPE LIMA
REALIZAÇÃO – SEVENX PRODUÇÕES ARTÍSTICAS
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