terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Educando Rita (RJ)

Foto: divulgação

Ponto de vista inovador sobre situação já conhecida.

“Educando Rita” está mais próximo de “My fair lady” do que “Blue Jasmine” está de “Um bonde chamado desejo”, com direito, inclusive, a um número de “Without you” (que não é nem do original de Bernard Shaw, nem do mito de Pigmalião, tampouco de qualquer outra versão) do musical de Alan Jay Lerner e de Frederick Loewe. Os problemas de lá são os mesmos que os daqui: uma história de amor sem beijo parece uma coisa muito improvável, porém essa é também sua beleza. Avançando por sobre as fontes, vemos o mérito das interpretações de Marianna Mac Niven e de Claudio Mendes (a aluna e o professor) em entreter o público que já sabe como tudo vai terminar desde o princípio. No palco do Teatro Café Pequeno, eis uma gangorra já reproduzida milhares de vezes, mas que ainda agrada quando é bem feita, como aqui é o caso.

Rita (Mac Niven) é uma cabelereira, cansada das “conversas de salão” e do seu jeito de falar simples e barulhento, tal qual a florista Eliza Doolittle e seu sotaque cockney. Frank (Mendes) é o professor universitário de literatura soberbamente solitário (mesmo que casado) e muito orgulhoso de si, tal qual o professor de fonética Henry Higgins. (A sutil diferença entre ambos é que, a princípio, Higgins rejeita Eliza porque a acha uma aluna impossível. Frank rejeita Rita, porque não acredita que o que ele sabe pode fazê-la melhor.) O conflito de valores vai se mostrando mais interessante a partir da sucessão das cenas, o que é um mérito. Em outras palavras, quanto mais distante de Shaw e de Lerner o britânico Willy Russel, autor desse texto, vai, melhor é. Se, em “My fair lady” (ou em “Pigmalião”) o conflito é entre duas pessoas, aqui ele está de uma pessoa para si própria. Rita está decidida a mudar, por mais difícil que isso seja. Frank está decidido em permanecer como está, por mais perigoso que isso possa se tornar. As circunstâncias em volta de cada um vão se mostrando como largos obstáculos, mas, cada um por si, ambos vão vencendo enquanto podem. Assim, voltando à imagem da gangorra, temos a ascenção de Rita versus a decrepitude de Frank, os problemas familiares da cabelereira versus os problemas profissionais do catedrático. Aumenta, a cada passo, a necessidade de equilíbrio e diminuem as possibilidades disso acontecer na mesma medida, o que sustenta o bom ritmo da narrativa. Positivamente, a curva dramática é ascendente.

Claudio Mendes, que dirige a peça, e Marianna Mac Niven, que traduziu o texto original, têm o mérito de boas interpretações vistas a partir da forma como fazem seus personagens partirem dos arquétipos já construídos de Eliza e de Higgins em versão brasileira e avançarem por sobre um material mais complexo, oferecendo um ponto de vista mais inovador, tal o ponto de vista de Allen em relação ao clássico de Tennessee Williams. Os diálogos, embora previsíveis, são ditos bem, os tempos são bem distribuídos, as intenções bem postas. Estamos diante de um drama realista psicológico, aos moldes de Shaw (esse bem mais açucarado que Ibsen), mas ainda diante de um teatro bem defendido.

A direção de arte de Arlete Rua, Carlos Alberto Nunes e de Paula Cruz, a iluminação de Paulo Cesar de Medeiros e a trilha sonora de Alessandro Perssan ajudam a construir bem a estrutura narrativa, como convém, apontando todos os signos para a sua história sem aparecerem mais do que devem. O caos literário do escritório de Frank expressa bem a preferência do personagem pelo isolamento em prol da companhia dos livros e do whisky. Por outro lado, as grandes bolsas e as roupas de cores chamativas de Rita hão de expressar bem em quais pontos ela foi se modificando primeiro.

Levar a cabo uma história já conhecida é um grande desafio. Porque vencido, os méritos são grandiosos igualmente. Parabéns.

*

FICHA TÉCNICA
Texto – Willy Russel
Tradução - Marianna Mac Niven
Direção – Claudio Mendes
Elenco – Marianna Mac Niven e Claudio Mendes
Direção de Arte (Cenário e Figurino) – Arlete Rua, Carlos Alberto Nunes e Paula Cruz
Iluminação – Paulo César Medeiros
Sonoplastia (Trilha Sonora) - Alessandro Perssan
Coreografia de Abertura - Maurício Silva
Perucas – Jakbell
Fotos e Vídeo de Divulgação – Octavio Mac Niven
DVD - Rodrigo Mac Niven
Design Gráfico – Marcus Moraes
Colaboração na Tradução - Tatiana Prisco
Contrarregra - André Boneco
Cenotécnico – André Salles
Operador de Luz – Morgana Grindel
Operador de Som – Adalberto Lopes “Pimpolho DJ”
Ocupação Câmbio – César Augusto, André Vieira e Jonas Klabin
Administração Teatro Municipal Café Pequeno – Edmundo Alvim, Reginaldo Lavinas e Marcelo Fernandes
Administração Financeira – SESAN Assessoria Contábil
Direção de Produção – Estela Albani
Assistente de Produção – Ana Beatriz Figueras
Produção – Ativa Produções
Realização - J.R. Mac Niven Produções
Assessoria de Imprensa – João Pontes e Stella Stephany

Um comentário:

  1. Caro Rodrigo,

    minha carreira tem início dos anos 80 e ainda pude curtir a época em que os críticos de teatro (do top de Yan Michaslki, Décio de Almeida Prado, Sábato Magaldi, Flora Sussekind, Eliane Yunes...) dialogavam com os espetáculos. Os observavam não com o distanciamento de quem os analisa, mas com o envolvimento de quem os compartilha (mesmo que seja para observar possíveis erros de percurso, passíveis em qualquer obra de arte) e os deseja melhores. Foi um grande prazer para mim e Marianna lermos sua crítica. Não apenas porque ela destaca valores nos quais também acreditamos que o espetáculo tenha (e acho que você acertou a veia principal), mas pela maneira inteligente com que a desenvolve (é preciso se envolver primeiro para poder desenvolver legal!). Muito bem escrita, saborosa de acompanhar ela nos é de um valor inestimável. Por nos servir como um "abre-alas" pra continuidade do espetáculo fora do Café-Pequeno, mas também por nos ajudar a refletir sobre o próprio trabalho. Claro que lemos o Pigmalião e vimos My Fair Lady, mas achávamos que a dramaturgia de Willy Russel ia mais além, e sua crítica anos fez observar o próprio trabalho com outros olhos. Obrigado por tê-la postado, ajudando a eternizar nosso tão efêmero trabalho. Nosso agradecimento, nosso reconhecimento, nossa saudação!!

    ResponderExcluir

Bem-vindo!