terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Amigo Cyro, muito te admiro (RJ)

Elenco em cena de carnaval
Foto: divulgação

Nada menos que excelente!

Dentre as produções que estiveram/estão em cartaz no Rio de Janeiro nesse verão, “Amigo Cyro, muito te admiro” se destaca positivamente como uma das melhores por muitos sentidos. Mas, sem dúvida, entre todas elas é a melhor em termos de direção musical. Trata-se de um musical que homenageia o cantor e compositor carioca Cyro Monteiro (1913-1973), estando, assim, ao lado de incontáveis outras produções graças as quais as novas gerações podem conhecer mais sobre a história da música popular brasileira através do teatro. Seu diferencial é a forma como as músicas do homenageado se relacionam com o texto em cena. De um jeito extremamente fluído, texto e música se intercalam de forma que é possível dizer que tudo é música e que também tudo é texto nesse espetáculo ovacionado por alguns minutos no dia da apresentação à essa análise. Sem dúvida, as participações dos atores/cantores/músicos fazem a diferença, contribuindo com excelência ao trabalho do diretor André Paes Leme e do diretor musical e arranjador Luis Barcelos.

O mais comum em peças desse tipo é que músicas inteiras do artista homenageado “caiam” na dramaturgia, estando, em segundo lugar, aquelas peças do tipo "sarau" em que só se ouvem as músicas e não há texto. Tanto em uma como em outra, há célebres pot-porris que geralmente ajudam a história a avançar um pouco mais em um tempo mais curto. Em “Amigo Cyro, muito te admiro”, embora o tema seja musical, o teatro é quem parece ter guiado as escolhas. Mérito do grupo, ganho do público. Ao invés de cantar músicas inteiras, apenas partes de quase todas elas aparecem e, ainda assim, intercaladas por trechos de falas públicas do próprio Cyro Monteiro. Assim, uma canção entra na outra, mas sempre com marcada presença de um contexto poético que situa cenicamente a canção ao invés de deixa-la perdida. O resultado é uma peça que embala, de forma íntegra, a vida de um homem conhecido por seu talento e seu profissionalismo, mas principalmente pela sua doçura, deixando um "gostinho de quero mais" bem forte.

Na dramaturgia de Rodrigo Alzuguir, temos uma mesa de sinuca e caixotes com garrafas de cerveja posicionados milimetricamente em lugares específicos. Claudia Ventura, Alexandre Dantas, o próprio Alzuguir e Milton Filho interpretam, todos eles, Cyro Monteiro e outras pessoas através do olhar de Cyro. A narrativa não é linear, embora cumpra, de um modo geral, etapas evolutivas do homenageado, da infância à sua velhice. O ritmo é marcado por duas quebras: uma sobre o medo do cantor de avião e outra com listas sobre as coisas que ele gostava e não gostava. Dessa forma, na encenação de André Paes Leme, o fato de um homem só ser interpretado ao mesmo tempo por quatro atores conversa bem com a dramaturgia que situa Cyro sempre inteiro, mesmo sendo criança, jovem, adulto ou mais velho.

O grande carisma do conjunto do elenco é responsável por apresentar a figura humana de Cyro Monteiro com enorme potência. A história é contada com excelência vocal e com passos de samba bastante bem executados, mas principalmente com muito amor no tom de dizer as frases. O carinho que os intérpretes parecem ter ao falar de Cyro ou por Cyro conquista o público que se abre para as canções, para as vitórias e para as derrotas do artista e, principalmente, para o modo como ele via o mundo. O resultado é uma emoção especial que surge ao final da peça vinda de uma plateia que, sem dúvidas, gostaria de ter sido amiga do homenageado se, porventura, não tenha tido a oportunidade de sê-lo. Deve-se elogiar, ainda, a escolha de Claudia Ventura para um dos papéis. A linda voz feminina dessa grande cantora e atriz define a beleza de vários momentos do espetáculo sem por em desmérito nenhum de seus parceiros de palco.

Nos aspectos técnicos, há um especial destaque para o trabalho de iluminação de Renato Machado. Além de lâmpadas suspensas estarem alocadas dentro de garrafas de cerveja recortadas, em uma união positiva com o cenário de Carlos Alberto Nunes, temos, em alguns momentos, uma sutil luz de fundo versus um foco horizontal recortado sobre a face do elenco ao lado de um foco vertical sobre um dos atores. O quadro, cuja beleza é imensa, expressa a profundidade e a complexidade de um ser humano que, por fora, é muito simples. Mérito de Nunes também o contraste entre as camisas azuis e a luz amarelada, isso exemplo do quão os elementos todos dessa narrativa estão bem articulados.

“Amigo Cyro, muito te admiro” é uma peça especial na programação teatral carioca que há de fazer muitas temporadas. Por muitos motivos, alguns aqui analisados, merece o sucesso que fez e que há de ter, mas, sobre todos eles, há que se contemplar a forma coesa e coerente como todos os elementos estão equilibrados, bem desenvolvidos, expressos com delicadeza, inteligência e força significativa. Excelente! Merecida é a ovação que ganha.

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FICHA TÉCNICA
Dramaturgia: Rodrigo Alzuguir
Direção: André Paes Leme
Direção Musical e Arranjos: Luis Barcelos

Elenco: Claudia Ventura, Alexandre Dantas, Rodrigo Alzuguir e Milton Filho

Músicos: Levi Chaves (sopros), Luis Barcelos (Bandolim/Cavaco), Lucas Porto (violão) e Marcus Thadeu (Percussão)
Direção de Movimento: Duda Maia
Cenografia: Carlos Alberto Nunes
Figurino: Carlos Alberto Nunes
Iluminação: Renato Machado
Preparação Vocal: Marcelo Rodolfo
Pesquisa: Alexandre Dantas, Claudia Ventura e Rodrigo Alzuguir
Diretor Assistente: Anderson Aragón
Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti

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