Silvia Pfeifer e Cássio Reis em cena |
Uma ruim imitação de Callas
“Callas” só fica bom quando a personagem título olha para o jovem jornalista John, seu amigo, e lhe pergunta sobre como anda a vida dele. Nesse momento, o espetáculo deixa de ser um “wikipedia” sobre a cantora lírica mais importante dos últimos séculos e uma das personagens mais interessantes da história do mundo ocidental e passa a ser algo relevante por si só e não apenas sobre o tema que traz. Desse momento para o final, o lado mais humano, e aterrador, de Callas vai transparecendo positivamente na dramaturgia de Fernando Duarte, autor de “Orgulhosa demais, frágil demais”, que também é sobre Callas (mas essa em um encontro com Marilyn Monroe) e também está atualmente em cartaz. Mal dirigido por Marília Pêra, a peça tem trabalhos de interpretação de Sílvia Pfeifer e de Cássio Reis muito ruins. Está em cartaz no Teatro Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro.
No dia 15 de setembro de 1977, em Paris, John Adams (Cássio Reis) finaliza os preparativos para exposição de figurinos e cenários dos espetáculos mais importantes da vida de Maria Callas, que faleceu em 16 de setembro do mesmo ano – o dia seguinte. A peça começa quando Callas (Silvia Pfeifer) entra na galeria, atendendo a um convite do organizador, jornalista e amigo para conferir tudo aquilo que o público em geral poderá ver a partir do dia seguinte quando as portas da galeria se abrirão. Em um determinado momento da conversa entre os dois, Callas diz que já conhece John há dois anos e que os dois são amigos. Começam aí os problemas da dramaturgia. De um lado, John dá um tapinha na “bunda” de Callas, evidenciando uma intimidade entre os dois que é reveladora. De outro, um gravador de fita cassete - não fica claro se está ou não ligado – apresenta a possibilidade do encontro, apesar de entre amigos, ser profissional, o que justificaria uma sequência de perguntas de John à Callas sobre sua vida, sua carreira, sua fama. Ficam as dúvidas: 1) Se os dois se conhecem, John já teria todas as respostas para as perguntas que faz; 2) Se John está fazendo uma entrevista, o gravador deveria estar ligado e Callas atenta ao que está dizendo, pois a situação deixou de ser íntima e passou a ser pública a partir do momento em que o botão “recording” é acionado; 3) Na dramaturgia de Duarte, vemos Callas alternando discursos: um público e sóbrio, um íntimo e emotivo, um exagerado e caricato, de forma que as bases para o encontro não se definem. Durante três quartos da narrativa, não há ação, mas apenas a exposição de informações a que o público ou já sabe ou tem acesso na internet, tornando o espetáculo em uma biografia superficial e nada além, enquanto Callas veste e desveste seus velhos figurinos famosos. Eis então que Callas mostra interesse pelo bem estar de John. Nesse momento, o público se encontra com uma outra história, pois começa-se a conhecer uma mulher – e não apenas uma diva do Bel Canto – solitária, mendigando por atenção, ela que foi ovacionada nos maiores e mais importantes palcos de todo o mundo. Infelizmente, logo em seguida, a peça termina.
Silvia Pfeifer tem um trabalho de interpretação cambaleante. A voz rouca e a irritação envidenciam mais um tipo que realmente uma mulher que existiu além da narrativa. Suas respostas são marcadas, seus movimentos partiturarizados, as reações previstas. A gargalha silenciosa com a mão próxima à boca é uma caricatura. Pfeifer imita Callas mais do que a interpreta infelizmente. Ao seu lado, Cássio Reis exibe igualmente um investimento na criação de um tipo meramente superficial: um jornalista homossexual afetado que tenta disfarçar de todos sua orientação sexual e apenas isso infelizmente. Talvez porque ajudados pela boa curva dramática que o texto traz nos momentos finais, nesses poucos minutos, é possível reconhecer trabalhos melhores. Pfeiffer deixa ver uma Callas mais trágica e, por isso, mais forte do que ela mesma parece saber e Reis permite ver um personagem que existe além daquela situação e que, seu melhor, tem um ponto de vista crítico por sobre a mulher que pensa nele como seu amigo. Quando a peça termina, a dúvida sobre a sinceridade do relacionamento entre Callas e John é o único motivo para o aplauso.
A direção de Marília Pêra parece ter se esforçado não para resolver os problemas de interpretação ou de dramaturgia, mas para driblar a visão do público deles. Dessa forma, consegue-se ver os aspectos negativos somente depois de avançarmos através dos belos vestidos espalhados pelos cenário, dos vídeos e fotografias projetados ao longo das cenas e dos textos também visíveis, alguns bem longos. Tudo isso, embora bom, tira o foco do principal que, como já se disse, não é bom, em uma artimanha da direção que é negativa.
“Callas” tem bons figurinos coordenados por Sônia Soares (alguns já existiam antes da narrativa) em boa articulação com o cenário de Rafael Guedes e com a dramaturgia do espetáculo. O senão é para a roupa de John (Reis): nem de longe, temos ali uma figura parisiense do final dos anos 70.
Do mesmo autor e com a mesma personagem, vale a pena ver “Orgulhosa demais, frágil demais”.
Ficha Técnica
Autor: Fernando Duarte
Direção: Marília Pêra
Elenco: Silvia Pfeiffer e Cássio Reis
Figurinista: Sonia Soares
Cenógrafo: Rafael Guedes
Design de luz: Paulo Cesar Medeiros
Trilha Sonora: Paulo Arguelles
Design de som: Alessandro Person
Direção de projeções: Paola Soares
Visagismo: Evânio Alves
Assistente Marilia Pêra: Nilza Guimarães
Assistente de direção: Mayara Travassos
Design gráfico: Ronaldo Filho
Fotos material gráfico: Renata Dillon
Assessoria de imprensa: Will Comunição e Luiz Menna Barreto
Produção executiva: Fernando Duarte
Direção de produção: Cássia Vilasbôas
Produtores associados: Cássio Reis e Fernando Duarte
Realização: NOVE Produções Culturais
E quando termina --de repente-- a gente diz: Só? O que FOI isso? Lição de casa de história da música?
ResponderExcluirMe senti enganada!
Sou pianista e professora de música.