Ao lado de Eva Wilma e de Renato Borghi, Dalton Vigh protagoniza grandes cenas em "Azul resplendor" |
O aniversário de Eva Wilma e além
“Azul resplendor” não deve ser visto apenas porque é a montagem de comemoração dos 80 anos de vida e 60 de carreira no ofício de atriz de Eva Wilma, mas também porque, dentro desse ótimo espetáculo, há duas cenas de altíssimo nível. Na primeira delas, temos um casal de idosos prestes a ir para a cama, discutindo sobre a necessidade de manterem as luzes acesas para que ambos possam ver a decrepitude do corpo um do outro e, assim, acabarem-se os segredos. Na segunda, há um diretor de teatro famoso, explodindo sua raiva contra a sociedade que o elegeu sem, de fato, conhece-lo. A partir de texto escrito pelo peruano Eduardo Adrianzén em 2005, o espetáculo tem a cuidadosa direção de Renato Borghi e de Elcio Nogueira Seixas e está em cartaz no Teatro SESC Ginástico no centro do Rio de Janeiro.
Quando a mãe faleceu, o ator Tito Tápia (Renato Borghi) ganhou 1 milhão de dólares de herança. Com esse dinheiro, resolveu produzir um grande espetáculo teatral que homenageie a sua grande estrela, que é também o amor de sua vida, a ex-atriz Blanca Estela (Eva Wilma). Reclusa e solitária, Estela vive há trinta anos longe dos palcos, os quais abandonou quando interpretava o papel de Blance Dubois em “Um bonde chamado desejo”. O mais bonito dessa dramaturgia é identificar o conflito nos motivos que fizeram Estela aceitar a proposta de retorno à ribalta depois de tanto tempo. Então, se verá uma ácida crítica à política teatral: o modo como os atores e os diretores se relacionam, como os textos são escolhidos e como as produções acontecem, o jeito como os artistas se relacionam com os técnicos, com a imprensa, com os colegas e, principalmente, como cada um lida com os próprios sonhos nessa que é uma profissão marcada pela vaidade. Feito isso, resta à audiência, como em todo bom teatro, encontrar o humano por trás dos personagens e aí ver-se representado em cena. Em todos os profissionais e em todas as idades, há sempre tempo para reencontrar o amor.
Adrianzén marca o ritmo do texto com pequenos monólogos em que os personagens quebram a “quarta parede” e se dirigem diretamente ao público, ou a si próprios, em solilóquios bastante interessantes. Nesses momentos, o público consegue ter a sua disposição os diversos níveis de complexidade de cada figura apesar das situações em que eles se envolvem. A Assistente de Direção Irritada (Luciana Borghi) pode, assim, ser vista como alguém que teve os sonhos frustrados e o coração partido. O Ator Sarado e a Atriz Linda (Felipe Guerra e Luciana Brites) são seres humanos cheios de sonhos que almejam ser alcançados, o que os iguala a todos os outros humanos comuns. O Diretor Pedante (Dalton Vigh) pode representar alguém que gosta dos aplausos, mas se interessa muito mais por quem lhe instiga, irritando-se com a burrice dos demais. Nesse sentido, Adrianzén constrói uma farsa moderna impregnada positivamente na encenação por marcas de drama realista em que os papéis sociais são construídos e dispostos em oposição, sendo espelhos de uma parte da sociedade. Como todo espelho, sua função é interrogar. Eis o mérito maior de “Azul resplendor”.
Há que se reconhecer a dureza do texto que, em vários momentos, força a poesia com a construção de cenas ou de falas clichês e um tanto quando melodramáticas (para não dizer cafonas). O melhor é ver como Eva Wilma e Renato Borghi põem suas experiências à disposição da peça, fazendo com que essas situações passem batido. O jeito sutil com que a dupla de atores situa a parte mais importante de cada fala em lugares específico de seus diálogos faz com que o que é menos bom passe e com que “desse limão seja feita uma limonada”. Luciana Brites e Felipe Guerra nem sempre conseguem o mesmo resultado, faltando em seus personagens a ironia que as situações parecem prever. Já Luciana Borghi e Dalton Vigh têm o mérito de dar aos seus personagens grandes momentos pela força interpretativa com que os exibem.
O cenário de André Cortez deixa ver uma concepção que pauta a discussão maior que “Azul resplendor” propõe: o teatro. Acima da velhice, das vaidades, dos sonhos alimentados por anos, o teatro, nessa montagem, é o assunto mais importante. Daí que todas as cenas são vistas a partir de lugares esteticamente teatrais: sempre há refletores expostos, objetos neutros, recortes de iluminação (Lúcia Chedieck) marcados, roupas com marcas expressivas de figurino (Simone Mina), enfim, tudo parece acontecer em um teatro. Na peça “Azul resplendor”, é visível que o realismo nutre o conceito de interpretação dos atores, mas há que se dizer que a encenação como um todo vai para além do drama, em uma excelente metáfora para o espetáculo que o personagem de Vigh dirige na narrativa. A peça e a peça dentro da peça, assim, estão positivamente de braços dados, expressando uma concepção de direção que é segura, inteligente e forte.
Entre todos, talvez o grande ponto de vista a ser elogiado em “Azul resplendor” seja o fato de que, apesar de falar de teatro, a peça não se dirige apenas a pessoas envolvidas com o ofício de representar, mas com o público em geral. Em cena, estão exibidos os obstáculos existentes entre os homens e a realização dos seus sonhos e essa convivência perpassa a realidade de todos independente de suas profissões. Aplausos e parabéns!
FICHA TÉCNICA
Texto: EDUARDO ADRIANZÉN
Tradução: RENATO BORGHI e ELCIO NOGUEIRA SEIXAS
Direção Geral: RENATO BORGHI e ELCIO NOGUEIRA SEIXAS
Elenco:
EVA WILMA - Blanca Estela
RENATO BORGHI - Tito Tápia
DALTON VIGH - Antônio Balaguer
LUCIANA BORGHI - Glória Campos
LUCIANA BRITES - Luciana Castro
FELIPE GUERRA - Giancarlo Varoni
Luz: LÚCIA CHEDIECK
Cenário: ANDRÉ CORTEZ
Figurino: SIMONE MINA
Trilha Sonora: ALINE MEYER
Vídeos: RENATO ROSATI
Fotos: JOÃO CALDAS
Direção de Produção: ANDRÉ MELLO
Realização: RENATO BORGHI PRODUÇÕES
Assessoria de Imprensa: JSPONTES COMUNICAÇÃO – JOÃO PONTES E STELLA STEPHANY
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