quarta-feira, 8 de junho de 2016

Só (SP)

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Foto: divulgação

Daniel Viana
O aniversário de trinta anos do Grupo Sobrevento

“Só” é o espetáculo do Sobrevento que comemora os trinta anos de fundação do Grupo. Dirigida por Luiz André Cherubini e por Sandra Vargas, a peça tem sua dramaturgia inspirada no romance inacabado “O desaparecido ou Amerika”, do alemão Franz Kafka, escrito entre 1912 e 1914. Além de Vargas, Maurício Santana, Sueli Andrade, Daniel Viana e Liana Yuri estão no elenco, manipulando objetos na construção de uma narrativa cênica considerada de animação. Sem falas, há imagens bonitas e excelente colaboração da trilha sonora original de Arrigo Barnabé, dos figurinos de João Pimenta, da iluminação de Renato Machado e do cenário de André Cortez. Esses elementos justificam, talvez, a indicação ao Prêmio APCA de Melhor Espetáculo de 2015. A temporada no Teatro III do Centro Cultural do Banco do Brasil encerrou no último dia 29 de maio.

Problemas na dramaturgia
“O desaparecido ou Amerika” é um dos títulos brasileiros para aquele que é considerado o primeiro romance de Franz Kafka (1883-1924). O autor depois ficou célebre por “A metamorfose” (1915) e por “O processo” (1925). Na história, um jovem alemão de dezesseis anos é expulso de casa por ter engravidado a empregada. Ao chegar aos Estados Unidos, ele entra em contato com diferentes tipos, trabalhando em empregos diversos até que se emprega em um grande teatro. A história, que permaneceu não concluída, traz para a literatura o tema da ausência, que já tinha aparecido em Marcel Proust. Karl, o protagonista, se vê engendrado em um quadro de relações que lhe atravessa e que o faz submergir.

A dramaturgia de “Só”, assinada pelo Grupo Sobrevento, trata de um conjunto de temas comuns ao teatro contemporâneo: a desumanização, a necessidade de se relacionar versus a solidão, o sentimento de desajuste, etc. A peça não adapta para o palco a narrativa de Kafka, mas quer partir dela, oferecendo imagens que pretendem desenvolvê-la a partir de suas reflexões. O problema é que, requisitada demais, a racionalidade espanta o envolvimento sensorial apesar dos esforços dos outros elementos de sua estética espetacular: trilha, luz, cenário e figurino.

Sandra Vargas, Maurício Santana, Sueli Andrade, Daniel Viana e Liana Yuri ficam no meio do caminho entre a interpretação e a seca manipulação dos objetos. Em outras palavras, não se sabe se a utilização desses é um recurso estético ou negativamente uma “muleta” que esconde atuações cheias de problemas. Além disso, enquanto se perde no vislumbrar da poética por trás da escolha dos objetos, o público precisa se esforçar para atender aos convites do espetáculo à narrativa. Nem tão onírico, nem com uma boa história, “Só” acaba por se defender nas intenções sem mostrar relevante trabalho no âmbito do realizado.

Desde “A fonte”, de Marcel Duchamp, com ênfase na pop art de Andy Warhol, o aparecimento de objetos prontos (ready-made) subverteu o lugar da arte, apresentando a poética não mais tanto como um bem do artista iluminado, mas como um ponto de vista do olhar de quem frui. Esse equilíbrio entre a arte e sua recepção só se dá, porém, depois de um processo de racionalização. No entanto, o universo da literatura kafkiana, expressionista na forma, mas racional no conteúdo já colaboraria com isso sozinha. Cheia de temas possíveis, a dramaturgia de “Só” fala de um mundo de questões, mas não aprofunda qualquer uma.

Quadros cheios de beleza
São extremamente positivos os investimentos de “Só” na trilha sonora, no cenário, no figurino e na iluminação. A música original de Arrigo Barnabé aproxima os personagens do público, favorecendo uma aparência mais sensível que se vê neles e neles em interação com os objetos. O cenário de André Cortez se esforça na criação de um panorama poético em que os objetos não se esquivam se sua história pelo envolvimento artístico. O figurino de João Pimenta transparece possíveis justificativas para sua concepção, o que colabora positivamente com a construção do conteúdo da montagem sobretudo pelo belo resultado visual. A iluminação de Renato Machado recorta o ambiente e favorece o ritmo da encenação que se dá ao longo de noventa minutos.

Criado a partir do intercâmbio com a belga Agnès Limbos e com o italiano Antônio Catalano, “Só” celebra três décadas de caminhada do Grupo Sobrevento. Seus belos quadros, melhores isoladamente, ficam na retina. Parabéns!

*

Ficha técnica:
Criação, Concepção e Dramaturgia: Grupo Sobrevento
Direção: Luiz André Cherubini e Sandra Vargas
Trilha sonora: Arrigo Barnabé
Iluminação: Renato Machado
Cenário: André Cortez
Figurinos: João Pimenta
Elenco: Sandra Vargas, Maurício Santana, Sueli Andrade, Daniel Viana e Liana Yuri

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