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Foto: divulgação
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Thania Machado a frente |
“As festas da Tia Ciata”, musical escrito e dirigido por Loly Nunes, participa de modo muito debilitado da comemoração do centenário do samba. A peça, tentando unir a biografia da personagem com questões relativas à vinda dos negros baianos para o Rio de Janeiro e ao preconceito racial que o nosso país ainda enfrenta, acaba por não desenvolver a contento nem um tema, nem outro. Com interpretações muito ruins e defesa de doze questões igualmente cheia de problemas, podem ser encontrados méritos na dança e na parte instrumental da trilha sonora do espetáculo. Dani Stenzel, Flávia Souza, Hugo Germano, Ricardo Lopes, Rudson Martins, Thania Machado e Tuca Muniz, além de cinco músicos, estão no elenco. A produção fez temporada até o último domingo, dia 26 de junho, na Sala Baden Powell em Copacabana.
Dramaturgia perde melhores oportunidades
A peça começa com uma Diretora (Dani Stenzel) chamando os atores para o ensaio de uma peça que tratará sobre a Tia Ciata (Thania Machado). Então, Flávia Enne entra em cena e apresenta a primeira canção do espetáculo. A partir daí, a biografia da personagem título divide lugar com outras questões que, longe de aprofundarem o tema primeiro, colaboram com a superficialidade da narrativa. A baiana Hilária Batista de Almeida (1854-1924) aparece como uma mulher admirável, querida e famosa que fez parte da história do nascimento do samba, mas só isso. Se esses adjetivos podem realmente ser atribuídos a ela, todos eles revelam apenas parte de sua personalidade. Não há crítica, sugestão de reflexão nem qualquer outra colaboração que ofereça a chance ao tema dele ganhar maior valorização. Nisso, “As festas da Tia Ciata” comete vários erros tantas vezes apontados nos inúmeros musicais biográficos que o teatro carioca recentemente produziu.
A dramaturgia de Loly Nunes informa que, nos anos 70 do século XIX, Hilária saiu da Bahia em direção ao Rio de Janeiro. Registros históricos trazem que houve problemas com a polícia e que esses estão no contexto de sua mudança para a corte. Mas que problemas são esses? Por que ela não foi escrava se nasceu dezessete anos antes da Lei do Ventre Livre? Sendo ela uma mulher negra brasileira, qual sua relação com os negros africanos? Como se deu sua união com o primeiro marido e a separação dele? E quanto ao segundo relacionamento? Como ela acendeu ao posto de Mãe de Santo? De que maneira as festas em sua casa se tornaram conhecidas? Qual o contexto de sua transferência para a região da Praça Onze (chamada de “Pequena África” por estudiosos somente nos anos 80 do século XX)? Como sua vida se modificou com a Lei Áurea?
A peça também inclui a popularização de seus quitutes e a contratação de vendedoras auxiliares bem como o aluguel de trajes típicos da Bahia que colaboravam na publicidade de seus produtos. Como essas questões podem auxiliar em uma reflexão sobre as relações de trabalho e também sobre comércio de rua e publicidade no início do século XX? Há a narrativa da cura de uma ferida do Presidente Wenceslau Brás. E que Tia Ciata pediu a ele um emprego para seu marido. Como foi isso? Quanto à polêmica da autoria do samba “Pelo telefone”, que marca o nascimento do ritmo, qual foi a posição de Tia Ciata?
Assim, uma série de questões que podem ser feitas sobre o contexto histórico e artístico que Loly Nunes se arvorou a tratar levaria a dramaturgia do espetáculo para longe da descrição barata do Wikipedia. Ainda que as respostas fossem fictícias, o teatro estaria cumprindo seu papel de modo bem mais valoroso que a homenagem rasteira que aqui essa dramaturgia faz.
Méritos nos números de dança
A direção de Loly Nunes também tem um resultado bastante negativo. Na encenação, os atores ficam o tempo inteiro virados para o público em um gesto expositivo que traz debilidade pela falta de triangulação. A articulação entre as cenas é desequilibrada. O ritmo do espetáculo cai quando a personagem desaparece em favor dos longos diálogos entre os personagens sambistas. Os números musicais, surgidos em uma espécie de aula-espetáculo, não encontram eco na narrativa. A decisão por manter os atores sentados nas margens do espaço cênico ao longo da peça também não tem justificativa clara. Tudo isso revela uma concepção cambaleante na sua incoerência.
Não há trabalhos de interpretação destacáveis positivamente no elenco. Thania Machado, que interpreta a protagonista, esquece frequentemente o texto, prejudicando o ritmo enquanto obriga seus parceiros a improvisar. Hugo Germano viabiliza uma energia fora do tom, desequilibrando o conjunto. Ele e os demais do elenco têm méritos nos números de dança, esses o ponto mais alto de todo o espetáculo e que merecem aplausos.
Nada é pior do que o modo como Dani Stenzel, através de sua personagem Diretora/Narradora, conduz toda a narrativa. Atribuindo um gesto para cada palavra, a intérprete reduz bastante a participação do público no processo de fruição de “As festas da Tia Ciata”. Com um referente interpretativo muito simplório, o péssimo trabalho é irritante.
Sem fazer a lição de casa
São notórias as dificuldades que a Sala Baden Powell impõem às produções musicais no que diz respeito à direção de som, apesar de sua pauta ser relativamente ocupada por espetáculos desse tipo. No caso de “As festas da Tia Ciata”, o resultado negativo se vê no desafino geral do elenco, nos problemas de dicção e no equilíbrio de graves. São nobres os arranjos das belas canções escolhidas e se valoriza positivamente a participação das originais assinadas por Edinho do Samba e por Loly Nunes. Rendem-se elogios ao figurino de Marcia Marques e da diretora pelo modo como os detalhes estão bem cuidados. O cenário e a iluminação pouco participam.
Entre 2013 e 2015, o teatro carioca vivenciou um cansaço dos musicais biográficos que rarearam na última temporada. O conhecimento acumulado nesse período, no âmbito dos acertos e das falhas, merece ser estudado para o bem da grade, pelo mérito da investigação teatral e pela honra dos homenageados. “As festas da Tia Ciata” não fez a lição de casa infelizmente.
FICHA TÉCNICA
Roteiro e direção: Loly Nunes
Elenco:
Músicos: Daniel Delavusca, Flávia Enne, Kaka Nomura, Renan Sardinha e Zéh Gustavo
Preparação vocal: Thania Machado
Coreografias: Arthur Rozas
Músicas Inéditas: Edinho do Samba e Loly Nunes
Iluminação: Djalma Amaral
Figurinos e Cenário: Marcia Marques e Loly Nunes
Produção Executiva: Wesley May e Thor Medrado
Marketing Cultural: Glória Diniz
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