quinta-feira, 2 de junho de 2016

Domando a megera (RJ)

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Foto: Rany Carneiro


Melissa Arievo e Marcello Mota

Problemas na versão de “A megera domada” do grupo Nós do Morro


“Domando a megera” é a versão de “A megera domada”, de William Shakespeare, adaptada por Luiz Paulo Corrêa e Castro especialmente para a montagem do grupo Nós do Morro. Dirigida por Fernando Mello da Costa, a produção terminou mais uma temporada no Rio no último dia 29 de maio, no Teatro Municipal Café Pequeno. O espetáculo tem o mérito de oferecer oportunidade de trabalho para vinte atores, mas nesse grupo apenas Marcello Melo e Melissa Arievo apresentam boas interpretações nas defesas de Petruchio e de Catarina. É pouco!

Méritos e problemas na adaptação dessa comédia shakespeariana
“A megera domada” foi escrita entre 1590 e 1592, aparecendo como provável segunda peça de William Shakespeare (1564-1616). A história começa quando um beberrão chamado Christopher Sly cai no sono momentos antes da chegada de um Nobre Fidalgo a uma estalagem. Compadecido do pobre bêbado, ele o leva para seu palácio e instrui seus criados a fazer-lhe acreditar que se trata de um rico senhor casado com uma bela esposa. Um grupo de comediantes aparece e é convidado a participar da farsa. Eles apresentam para Sly, então, a história do casamento entre Petruchio de Verona e Catarina de Pádua. Assim, Shakespeare dá início a um exercício que iria desenvolver várias vezes ao longo de sua obra: o efeito da “peça dentro da peça”.

Em questão, nesse contexto inicial, que estabelece fortes relações com o humanismo de Erasmo de Rotterdam, está a capacidade do homem de, através da razão, reagir contrariamente ao seu suposto destino ou predisposição natural e mudar, assim, o curso de sua história. A cena de abertura, que aliás não foi retomada por Shakespeare ao fim de sua peça infelizmente, é esquecida na maior parte das montagens de “A megera domada”. Desse abandono, surge panorama propício para a acusação de machismo a “A megera domada”. A montagem do grupo Nós do Morro, sob alguns aspectos, resolve bem esse problema apesar de também não incluir o prólogo.

A personagem Catarina Minola (Melissa Arievo) é a filha mais velha de Batista (Sandro Mattos), que é pai também de Bianca (Sabrina Rosa), essa bem mais dócil que sua irmã. Talvez por causa disso, corre pela cidade italiana de Pádua, onde a história se passa, a decisão de Batista de só casar sua filha mais nova quando a primogênita estiver comprometida. Isso frustra o interesse amoroso dos jovens Grêmio (Hélio Rodrigues) e Hortênsio (Renan Monteiro). Para complicar seus intentos, chega a cidade o rico Lucencio de Pisa (Ramon Francisco), que também se interessa por Bianca. É dele que vem a solução para o problema. Conhecendo o gosto de Petruchio por desafios e principalmente por dinheiro, apresenta-lhe a difícil questão de Catarina e também seu rico dote, o que seduz o jovem de Verona.

Os trechos mais engraçados da comédia dizem respeito ao casamento entre Petrucchio e Catarina. Tão forte como a noiva, o primeiro dobra a segunda, fazendo-a passar fome, deixando-a sem dormir, frustrando-lhe os planos. Imersa na cultura renascentista, a história, em cujas primeiras encenações os papeis femininos também eram interpretados por homens, apresenta um delicioso jogo de posições sociais. Mulheres respondendo aos maridos, esses subservientes às mulheres e criados tomando o lugar dos seus amos e vice-versa eram, no fim do século XVI, uma enorme palhaçada.

A adaptação assinada por Luiz Paulo Corrêa e Castro tem méritos na inclusão da crítica ao texto, o que oferece alternativas ao esquema conceitual de peça dentro da peça ainda dentro do ideal shakespeariano. Isso precisa ser positivamente valorizado. No entanto, há a estrambólica duplicidade na interpretação de alguns personagens. Lá pelas tantas, Catarina, Petrucchio e Bianca deixam de ser interpretados por Melissa Arievo, Marcello Melo e por Sabrina Rosa e passam a ser por Lorena Baesso, Juliana Melo e Luís Delfino. Diferente dos primeiros, esses três últimos estão com máscaras brancas, nariz vermelho, sapato grande e todo um conjunto estético identificado com o universo clown. Nessa alteração, a “peça dentro da peça” nada tem de conceitual, mas apenas formal. Pior que isso, é inoportuno, pois prejudica o ritmo sem devolver qualquer reflexão que possa valorizar nem Shakespeare nem todo o repertório clown.

Marcello Mota e Melissa Arievo se destacam no grande elenco
A direção de Fenando Mello da Costa enfrenta inúmeros desafios. Além dos problemas da inclusão de alguns personagens duplificados, há a inserção problemática de canções que quer relacionar gratuitamente o espetáculo a uma comédia musical. Com exceção de Melissa Arievo e de Marcello Melo, o elenco não apresenta habilidades mínimas para o canto e nem a produção consegue ajudá-los. Não há microfones, a direção musical de Gabriel Moura é bastante problemática, o palco do Café Pequeno é pequeno para os vinte atores e três músicos em cena. O figurino de Kika de Medina é uma bagunça conceitual pouco contributiva. O desenho de luz de Renato Machado tem pouco espaço na dramaturgia, na encenação e no local de apresentação para acontecer. O cenário assinado pelo diretor não tem conceito aparente. Ou seja, é difícil identificar méritos na direção de Costa para além de coreografar as entradas e saídas do elenco, bem como a coordenação do que fazem os atores com seus corpos e palavras em cena.

Renan Monteiro (Hortensio) e Nino Batista (Biondello) têm bons momentos, mas Marcello Melo (Petrocchio) e Melissa Arievo (Catarina) dominam a cena no amplo e bom uso de suas habilidades expressivas. Hugo Alves (Grumio) força a voz em um negativo empenho em fazer graça, Sabrina Rosa defende uma Bianca parecidíssima com sua irmã “megera”, Sandro Mattos traz um Batista apagado. Os treze outros trabalhos de interpretação submergem na avalanche de problemas do espetáculo. Entre as doze canções originais que fazem parte da trilha sonora, destaca-se “A megera indomável”, um dos melhores momentos de toda a encenação.

É pouco!
Cheio de piadas internas, em que fica claro que os próprios atores sentem a monotonia do espetáculo de um modo geral, esse “Domando a megera” parece se sustentar no mérito de ser uma janela para um grupo grande de jovens mostrar trabalho. Isso é pouco sobretudo porque não se trata de algo realmente positivo. O célebre Nós do Morro não tem aqui uma obra que fortaleça esteticamente sua enorme contribuição social.

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FICHA TÉCNICA
Texto Original: William Shakespeare
Tradução e adaptação: Luís Paulo Corrêa e Castro
Direção: Fernando Mello da Costa
Elenco: Camilo Oliveira, Cida Costa, Eduardo Bastos, Edson Oliveira, Gizela Mascarenhas, Hélio Rodrigues, Hugo Alves, João Gurgel, Juliana Melo, Renata Grieco, Lorena Baesso, Luís Delfino, Melissa Arievo, Marcello Melo, Nino Batista, Renan Monteiro, Sabrina Rosa, Samuel Melo, Sandro Mattos e Tatiana Delfina.
Direção Musical e Música Original: Gabriel Moura
Figurinos: Kika de Medina
Cenografia: Fernando Mello da Costa
Designer de luz: Renato Machado
Operação de luz: Lívia Ataíde
Designer de som: João Paulo Pereira
Operador de som: Raphael Janeiro
Preparação Corporal, Direção de Movimento e Coreografias: Marcia Rubin
Técnica Vocal: Leila Mendes
Instrutora de canto: Gabriela Geluda
Instrutor de técnica circense: Rafael Senna
Instrutor de Percussão: Wellinton Soares
Direção de Produção: Dani Carvalho

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