quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Rasgue minhas cartas (SC)

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Foto: Cristiano Prim

Marina Argenta

Marina Argenta brilha em ótimo espetáculo dirigido por André Carreira

Dirigido por André Carreira, “Rasgue minhas cartas” foi produzido pelos alunos da disciplina de Montagem I – 2015 do curso de Licenciatura em Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina em junho último. Trata-se de uma nova versão do texto “Open House”, do argentino Daniel Veronese. Temas como solidão, abandono e dificuldade de lidar com os acordos afetivos são abordados por Alunos de Teatro na obrigação de dizer algo em cena. Tendo feito apresentações ao longo do segundo semestre do ano, o trabalho tem destaque nas atuações de Ana Flavia Zechini, Camila Passos e Thuanny Paes, mas principalmente na de Marina Argenta, essa última em excelente participação. Na estranha inexistência de uma grade dividida em temporadas, que organizaria o mercado das artes cênicas em Florianópolis, o grupo faz apresentações esparsas as quais o público da capital catarinense deve acorrer quando possível.

O público na construção do sentido do espetáculo
Quando o público entra, os atores que fazem parte do elenco já estão no palco, observando as pessoas encontrarem seus assentos. Não há cortinas, o interior do teatro está revelado e os figurinos usados são similares às roupas vestidas pela audiência. Desde a primeira fala, entende-se que o espetáculo existirá em um intervalo entre a ficção e a realidade além da cena, o que teoricamente resgata o princípio artaudiano de atualidade. Segundo esse, proposto pelo encenador francês Antonin Artaud (1896-1948), o teatro deve falar do agora, do momento presente, da situação compartilhada entre ator e público. Imediatamente, estabelece-se uma rede de relações em que se privilegiam o direito humano de ser ouvido e o seu dever de valorizar sua humanidade.

Em cena, doze intérpretes apresentam suas figuras com expressões discretas, enchendo de responsabilidade o figurino e o texto. Através desse último, conhecem-se algumas ações, determinadas situações, sonhos ou resquícios de reflexão por meio das quais se identificam suas diferenças. É o público quem, em primeiro lugar, precisa preencher o que não foi revelado e, por fim, concluir alguma possível relação entre tudo o que é narrado. Por princípio, só os fatos de coabitarem o mesmo espaço e dividirem o tempo justificam suas presenças.

Há quatorze anos, “Open House” foi produzido em regime de colaboração entre o dramaturgo Daniel Veronese e alunos do Instituto Universitário Nacional de las Artes da Argentina. O grupo, já modificado hoje em dia, segue em apresentações ainda dentro da sua concepção original. Em 2005, no Rio de Janeiro, Antônio Guedes dirigiu uma montagem do texto traduzido por Fátima Saadi com seus alunos de teatro na UniverCidade. A mudança no título, nessa versão atual do texto, dirigida por André Carreira, talvez tenha se dado sob a inspiração da canção “Devolva-me”, de Renato Barros e de Lílian Knapp, gravada em 1966 por Leno e Lilian e em 2000 por Adriana Calcanhoto. Ela abre o espetáculo e sugere o universo semântico através do qual o passado pode justificar a situação presente. A direção musical é assinada por Fernando Bresolin.

Marina Argenta em excelente participação
A direção de André Carreira, assistido por Drica Santos e por Lara Matos, organiza a adaptação do texto original feita pelo grupo que assina essa versão. De modo elogiável, há fluidez na articulação dos quadros em um ritmo que valoriza a situação do ouvir-se. Na movimentação, nenhum ator sai de cena de maneira que os personagens são também públicos uns dos outros. Em todos os sentidos, mas principalmente no modo simples como a encenação se dá, o espetáculo cria clima adequado à abertura de feridas. Facilmente, sente-se convidado a refletir sobre a própria vida, o que é sempre muito positivo.

Na narrativa, há poucos elementos para dar conta do que tradicionalmente se chama personagem. Ana Flavia Zequini, Camila Passos, Francine Costa, Gabriela Dalle Cort, Henrique Goulart, Laura Manuella, Marina Argenta, Ohanna Picolo, Priscila Francisco, Thuanny Paes e Verônica Bortolotto interpretam Alunos de Teatro, sendo também de fato isso no além dessa montagem. Nesse sentido, cada figura da narrativa é lugar de confluência entre as marcas do personagem do texto e os empréstimos da vida daqueles que os interpretam. Mas a questão fundamental aqui é que “Rasgue minhas cartas” se apoia na manutenção da dúvida entre qual dos dois lados está operando com mais força.

Em participações menores, Camila Passos e Thuanny Paes, bem como, mais privilegiada pela dramaturgia, Ana Flavia Zechini têm destaque. Elas sustentam a atenção, construindo e defendendo as marcas mais essenciais da estética do espetáculo já destacadas. Henrique Goulart, o único ator entre as atrizes, também faz colaboração marcante com movimentos discretos e limpos. No entanto, Marina Argenta é quem faz a melhor participação do grupo. Com expressões complexas, através das quais se vê choro e gargalhada, a intérprete dá conta de apresentar melhor o traço humano presente nas histórias. Há excelente uso das nuances de voz, gestual equilibrado e enorme carisma. Excelente!

Aplausos!
A partir desses aspectos, “Rasgue minhas cartas” anuncia claramente o valor dado ao público na construção do sentido do espetáculo. Todas essas características levantadas sobre o espetáculo têm a potencialidade de defender sua concepção estética. Depois de sessenta minutos, não se sai com a narrativa de Veronese (nem com a da adaptação desse grupo na cabeça). Ao contrário, leva-se para a casa a lembrança de se ter ouvido pessoas abrirem suas almas e falarem de si, ou de se ter assistido a uma peça que valorizava esse gesto. Aplausos!

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Ficha técnica:

Texto: baseado em “Open House”, de Daniel Veronese
Direção: André Carreira
Elenco: Ana Flavia Zequini, Camila Passos, Francine Costa, Gabriela Dalle Cort, Henrique Goulart, Laura Manuella, Marina Argenta, Ohanna Picolo, Priscila Francisco, Thuanny Paes e Verônica Bortolotto
Assistentes de Direção: Drica Santos e Lara Matos
Produção: Samanta Daus Silvius
Luz: Ivo Godois
Direção Musical: Fernando Bresolin
Monitoria: Marlon Spilhere