quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Bolo de carne (RJ)

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Foto: Aline Macedo

Zeca Richa (em cima) e Pedro Emanuel

Feliz encontro de duas companhias cariocas de teatro

“Bolo de carne” é o espetáculo que marca a parceria entre duas companhias teatrais cariocas, sendo o melhor trabalho de ambas. O texto é assinado por Pedro Emanuel, da Cia. em Obra, e a direção é de Iuri Kruschewsky, da Sala Escura de Teatro. No elenco e na ficha técnica, há integrantes dos dois grupos e convidados. A história gira em torno de Paulo, um funcionário de uma grande empresa, que se esforça para ficar alheio à sanha opressora do mundo em que vive. Essa, porém, é uma tarefa que fica mais difícil quando Silva, um novo funcionário, é contratado. Pouco a pouco, o novo colega exercerá sua influência sobre Cardoso, chefe de ambos, mas também sobre Heloísa, esposa de Paulo. Com ótimos diálogos no texto, quadros imagéticos cheios de potência no palco e elogiáveis interpretações de Ana Beatriz Macedo, Gilson de Barros, Zeca Richa e de Pedro Emanuel, o espetáculo é uma ótima opção na programação teatral carioca. A peça está em cartaz no Parque das Ruínas, na Lapa, até o próximo domingo, dia 29 de novembro.

O prazer de ouvir teatro tão bem escrito
A narrativa começa com um diálogo entre Paulo (Pedro Emanuel) e sua esposa Heloísa (Ana Beatriz Macedo) acerca de um acidente de trânsito em que um homem morreu. Desde o início, o espectador percebe a frieza instaurada no ambiente doméstico e os jogos de poder principalmente propostos pela esposa. Para Paulo, o local de trabalho não é menos confortante. Cardoso (Gilson de Barros), o chefe, não se exime da oportunidade de oprimi-lo principalmente a partir da chegada de Silva (Zeca Richa), o novo funcionário.

Em termos de fábula, talvez o mais interessante na narrativa de “Bolo de carne” seja o modo como o protagonista Paulo resiste às pressões e mantém-se como herói. Pouco a pouco, mas cada vez mais, é como se o protagonista fosse ficando encurralado em um universo onde não há bom senso nem tampouco humanidade. Vítima de uma espécie de “seleção natural”, Paulo luta contra a própria extinção e o seu esforço é justamente o que enternece o público que testemunha sua desventura.

Nessa dramaturgia realista, há ainda que se destacar o modo como as palavras atuam nos diálogos. A maneira como elas estão articuladas dá a ver apurado refinamento estético, sonoridade de beleza destacável e profundidade no que diz respeito ao conteúdo. Além disso, o texto não apenas revela uma história, mas manifesta um posicionamento acerca do mundo que merece a atenção da plateia. Dá prazer ouvir teatro tão bem escrito!

O encontro entre Iuri Kruschewsky e Pedro Emanuel
Na direção, Iuri Kruschewsky lembra o público de que se está em um teatro, procurando talvez exigir-lhe uma fruição mais consciente e menos alienada. Em todas as cenas, a movimentação dos atores, embora comece em um sentido mais realista, abandona o óbvio e parte para novos sentidos. Longe de estabelecer uma briga de forças com o texto, a direção, assim, propõe outras perspectivas para o traço das relações que a dramaturgia prevê.

Outro aspecto relevante da direção é o modo como a narrativa se desenvolve em uma curva crescente. Cada vez mais pressionado, o personagem Paulo (Pedro Emanuel) é levado à explosão, o que só quem assistir à peça poderá concluir algo a esse respeito.

Todos os trabalhos de interpretação são elogiáveis nesse espetáculo. Pedro Emanuel, considerando os desafios de um protagonista, é quem apresenta o melhor trabalho. Da força empregada por Gilson de Barros na viabilização de Cardoso, ao sadoquismo sarcástico na construção de Heloísa por Ana Beatriz Macedo, passa-se pela ironia ardilosa de Silva defendido por Zeca Richa. Enfim, chega-se em um lugar complexo que fica além de Macabeia e de Arandir, mas bem antes de Vasco da Gama. Mais humano, mais próximo, mais palpável, o modo como Pedro Emanuel desenha Paulo é talvez mais afiado.

Cia. em Obra e Sala Escura de Teatro
“Bolo de carne” se apresenta ainda com ótimas colaborações principalmente do figurino de Tiago Ribeiro e da trilha sonora de Eduardo Parreira e de Mário Terra. As músicas são interpretadas ao vivo pela dupla e também pelos atores, oferecendo uma leitura que talvez diga respeito à atualidade do teatro. O cenário de Carlos Augusto Campos polui o espetáculo sobretudo porque traz ainda novo trabalho para o espectador, esse já ocupado em dar sentido para o texto e para a interpretação. A luz de João Gioia faz boa colaboração.

“Não há melhor lugar que a nossa casa”, “O confuso e misterioso roubo das vírgulas” e “Febril”, da Cia. em Obra; a “Trilogia dos sonhos” e “3 dias ou menos”, da Sala Escura de Teatro, ganham em “Bolo de carne” mais um bom momento para celebrar. É um prazer acompanhar a história do teatro brasileiro sendo produzida no aqui e agora.

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Ficha técnica:

Texto original: Pedro Emanuel
Direção: Iuri Kruschewsky
Iluminação:João Gioia
Figurino: Tiago Ribeiro
Fotos: Aline Macedo
Trilha Original: Eduardo Parreira e Mário Terra
Cenografia: Carlos Augusto Campos
Direção de Movimento: Raffaele Casuccio
Direção de Prodção: Rubi Schumacher

Elenco:
Ana Beatriz Macedo
Gilson de Barros
Pedro Emanuel
Zeca Richa