segunda-feira, 20 de julho de 2015

Ivon Curi – O ator da canção (RJ)

Foto: divulgação

Leonardo Wagner e Fernando Ceylão

(Mais) Um musical biográfico que deixa muito a desejar

O musical em que se homenageia Ivon Curi (1928-1995) surge quando se celebram vinte anos do falecimento dele que foi um dos cantores mais populares do Brasil durante boa parte do século XX. Como a maioria das muitas outras produções biográficas do tipo em cartaz, essa tem problemas sérios na dramaturgia de Pedro Murad além de em vários outros aspectos que também comprometem a qualidade do espetáculo negativamente. No elenco, Fernando Ceylão interpreta o protagonista de um jeito superficial, mas é dele o mérito por segurar a audiência nos piores momentos da peça pouco dirigida por Lucio Mauro Filho e por Danilo Watanabe. Com mesmo resultado controverso, o talentoso Leonardo Wagner dá vida a um amigo interlocutor, sendo mera escada para os diálogos e solitário pianista nos vinte números musicais cuja modesta direção é de Tim Rescala. “Ivon Curi – O ator da canção”, em cartaz no teatro do Centro Cultural dos Correios, no centro do Rio, não faz jus ao homenageado infelizmente.

Por algum motivo estranho, Pedro Murad optou por construir uma narrativa ficcional para “Ivon Curi – O ator da canção” sem qualquer sucesso infelizmente. Na narrativa da peça, estamos em 2050 quando o bairro de Copacabana está sendo destruído e toda a sua população está migrando para a zona oeste do Rio de Janeiro. Nos escombros do que um dia foi um famoso restaurante, Ivon Curi (Fernando Ceylão) se encontra com suas lembranças. Um velho amigo (Leonardo Wagner), que testemunhou esse período glorioso, está com ele nesse momento doloroso. Os problemas da dramaturgia são óbvios desde o início. Quem iniciou sua carreira no Copacabana Palace nos anos 40 e esteve em vários filmes da Atlântida nos anos 50 (não estamos falando de super heróis) não pode enfrentar os dilemas de um suposto 2050. A situação inicial da narrativa, solicitando muitas concessões poéticas, impõe barreiras enormes à fruição desde a abertura. Difícil!

Sem dedicar-se a qualquer questão mais complexa da vida de Ivon Curi, como sua suposta bi ou homossexualidade e sua relação com a esposa e seus três filhos; como o declínio de sua carreira como cantor com o advento da Jovem Guarda e os nove anos em que ele ficou sem gravar; ou como mais detalhes sobre a venda do verdadeiro Sambão e Sinhá (restaurante-boate que ele dirigiu entre 1968 e 1984 na rua Constante Ramos em Copacabana) para os bicheiros Miro e Maninho (Waldemir e Waldomiro Paes Garcia); ou ainda como novas versões sobre o boato de que sua morte se deu como conseqüência de complicações causadas pelo vírus do AIDS, a dramaturgia desse espetáculo paira em um clima superficial que deixa muito a desejar. Seja porque mobiliza muitos desafios que impedem o bom fluxo da relação palco e plateia, ou seja porque não oferece muito além de uma justaposição de canções recheada por fatos públicos da vida do cantor, o texto da peça é péssimo.

Mais disposto a uma representação estereotipada de Ivon Curi do que aparentemente disposto a dar a ver mais complexidade, Fernando Ceylão apresenta uma figura efeminada, com os ombros pra dentro, quadril projetado pra frente e movimentos ágeis e finos com as mãos. Em sua versão, não há marcas claras dos desafios de uma infância pobre contra um futuro de sucesso, uma juventude cheia de fama na direção contrária a uma maturidade sem reconhecimento da juventude nem todas as questões pertinentes à sexualidade, à família e ao trabalho que uma boa pesquisa poderia ter propiciado na hora de compor o personagem. No entanto, a experiência notória de Ceylão como ator de stand-up comedy proporciona talvez o único ponto positivo de “Ivon Curi – O ator da canção”. Lá pelas tantas, talvez cansado da forma enrijecida com que o personagem foi escrito, o ator encontra, no público, alguns possíveis respiros. Ao incluir algumas pessoas comuns da plateia em seus comentários no desenvolver das cenas, ratificando essas inclusões ao retornar às mesmas várias vezes ao longo da encenação, Ceylão consegue chamar alguma atenção e despertar a audiência do marasmo. O momento em que o afinadíssimo Leonardo Wagner, não mais o personagem, à convite de Fernando, esse também fora do protagonista, interpreta um trecho de “O fantasma da ópera” é, por exemplo, uma das barrigas mais interessantes de todo o espetáculo. Carismáticos, Ceylão e Wagner aproximam o público do palco calorosamente, o que é um feito dadas as péssimas colaborações de todos os outros aspectos.

Nem o cenário de Lívia Cohen, nem o figurino dela e de Clara Cohen ajudam o texto ou a encenação. Os escombros do fictício “Sambão e Sinhá” não apontam para um fato acontecido no meio do século XXI, mas retratam um lugar abandonado antes dos anos de 1950. O branco impecável da camisa do personagem Ivon, ou os cabelos bem penteados e as faces pesadamente maquiadas auxiliam a superficializar a figura, prendendo-a em uma chapa sem qualquer profundidade. Tudo é meramente ilustrativo e diegeticamente pobre. A iluminação de Paulo Denizot não consegue nem beleza nem propicia mobilidade às cenas. Sem destaque, a direção de Tim Rescala consiste basicamente na transformação das canções mais famosas gravadas por Ivon Curi para versões em piano e ajustadas aos limites musicais de Ceylão.

“Rei do Rádio” nos anos 50, autor de cinco entre os dez discos mais vendidos no período, Ivon Curi deu sua última contribuição à arte interpretando o gaúcho homossexual Gaudêncio na “Escolinha do Professor Raimundo” no início dos anos 90. Se as gerações que o conheceram mais de perto não encontram aqui algo relevante de sua vida sobre o qual possam refletir, as mais novas nem de sua história têm aqui muito a conhecer. Uma opção que deixa muito a desejar.

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Ficha técnica:
Texto: Pedro Murad
Direção: Lucio Mauro Filho e Danilo Watanabe
Idealização: Eduardo Barata
Elenco: Fernando Ceylão e Leonardo Wagner
Direção Musical: Tim Rescala
Direção de Movimento: Marina Salomon
Iluminação: Paulo Denizot
Cenário: Clívia Cohen
Figurinos: Clívia Cohen e Clara Cohen
Sound Designer: Branco Ferreira
Programação Visual: Felipe Braga
Fotos, Vídeos e Tradução: Guilherme Viotti
Caracterização: Rodrigo Fuentes
Assistente de Iluminação: Daniel Ramos
Assistente de Direção Musical: Rodrigo Marsillac
Operador de Luz: Rogério Medeiros
Operador de Som: Júnior Brasil
Camareiro e Contrarregra: Maurino Soares
Produção: Barata Comunicação
Direção de Produção: Elaine Moreira
Produção Executiva: Rodrigo Becker
Coordenação / Lei Rouanet: Lílian Santiago
Assessoria de Imprensa: Priscilla Santos
Produção: Bruno Luzes e Carlos Sahium
Realização: Barata Comunicação

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