terça-feira, 14 de julho de 2015

A casa dos budas ditosos (RJ)

Foto: divulgação


Fernanda Torres


O melhor momento de Fernanda Torres

O monólogo “A casa dos budas ditosos” retornou ao Rio de Janeiro em pequena temporada, lotando o teatro Oi Casa Grande, no Leblon, com merecidíssimo sucesso. Dirigida por Domingos de Oliveira, essa comédia estreou em 2003, em São Paulo, tendo sido baseada em livro homônimo do baiano João Ubaldo Ribeiro (1941-2014), cujo primeiro aniversário de falecimento se celebra no próximo sábado, dia 18 de julho. Fernanda Torres, que ganhou o Prêmio Shell de Melhor Atriz por esse trabalho, interpreta CLB, uma mulher baiana de 68 anos que narra suas experiências sexuais da infância até o momento. Eis aqui uma das melhores produções do teatro brasileiro contemporâneo que poderá ser (re)conferida na capital carioca novamente na primavera, quando a atriz festejará seu aniversário de 50 anos.

A dramaturgia de “A casa dos budas ditosos” tem muitos méritos. O espetáculo começa com a voz do imortal João Ubaldo Ribeiro, contextualizando a narrativa. O texto de abertura cria a imagem de que a personagem que entrará em cena realmente existiu, antecipando a proximidade entre a vida da protagonista e a do público que ouve sua história. Ao longo dos noventa minutos que dura o espetáculo, outro aspecto excelente do texto é o modo como, com muita elegância, alguns tabus vão sendo demolidos. No texto, uma série de comportamentos sexuais que a sociedade publicamente condena são relatados por CLB através de experiências positivas, invertendo a lógica corrente e oferecendo uma visão acerca deles que é reveladora. O público gargalha, mais identificado que constrangido talvez, e sai do teatro leve por lhe ter sido retirada dos ombros a culpa que porventura se acumulou. “A casa dos budas ditosos” proporciona ainda uma reflexão que enxerga o sexo como parte da vida, como força natural que aproxima os homens ao invés de separá-los, como prazer gratuito ao qual todos temos maior acesso na medida em que nos desvencilharmos dos entraves que a civilidade nos impingiu em troca da evolução do conhecimento.

A direção de Domingos de Oliveira, que assina a adaptação do romance original ao lado de Fernanda Torres, investiu habilmente no mais difícil, optando por manter a atriz sentada à escrivaninha durante todo o período da encenação. Com a maturidade de quem já não precisava mostrar talento, Oliveira deu importância, ao dirigir essa comédia, para as cruzadas de pernas, as modulações na postura e para as intenções do texto voltadas para a inclusão do público. Com um ritmo bastante fluído e jogo claro, estabelece-se uma conversa entre palco e plateia que é potente em todos os sentidos.

Fernanda Torres viabiliza com galhardia uma série de marcas que abrigam o texto de forma a apagar qualquer traço de vulgaridade que uma má leitura do livro poderia trazer. Coluna ereta, pernas em balanço elegante, gestos finos e expressões discretas fazem ver uma mulher de alta classe, mas com valores que bem poderiam pertencer a qualquer pessoa. O sotaque baiano defendido sem pausa ao longo de toda a narrativa dá sabor à carismática CDL. As intenções francas e o jeito pontual transmitem segurança enquanto o tom e as pausas garantem o divertimento da alta comédia, cujo riso não é uma exigência, mas uma reação gostosamente incontrolável. Um trabalho de primeira grandeza.

A força do acrílico na escrivaninha e na poltrona, no cenário de Daniela Thomas, assim como o vestido estampado, concebido por Cristina Carvalho, ajudam a localizar a situação inicial como em algum ponto distante da era da internet (quando as relações virtuais atingiram o apogeu), mas com certeza depois dos anos 60 (quando a liberdade sexual foi pautada pela mídia). O desenho de luz de Wagner Pino participa discretamente do espetáculo, favorecendo o tom de palestra que é útil ao seu contexto artístico.

Lançado em 1999, o romance “A casa dos budas ditosos” integrou, representando a luxúria, a série “Plenos Pecados” lançada pela Editora Perspectiva. Censurada em Portugal em alguns locais e ocasiões, a obra tem feito enorme sucesso no mercado editorial. O espetáculo teatral, que roda o Brasil há doze anos, presta um favor incomensurável à erradicação de todo e qualquer preconceito relacionado à atividade sexual, além de ser um excelente programa cultural para ser visto muitas vezes. Aplausos efusivos!

*

Ficha técnica:
Texto: João Ubaldo Ribeiro
Adaptação: Domingos de Oliveira e Fernanda Torres
Direção: Domingos de Oliveira
Atuação: Fernanda Torres
Direção Artística: Daniela Thomas
Figurino: Cristina Carvalho
Assistente de encenação: Lincoln Vargas
Direção de Produção: Carmen Mello
Produção: Theatron e Trígonos Produções Culturais

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