sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Depois da Queda (RJ)

Foto: divulgação

Com medo de Arthur Miller


“Depois da Queda” é um projeto interessante, porque tem como desafio o cruzamento de três estruturas independentes: o texto, a encenação e o ícone Marilyn Monroe. Escrito pelo norte-americano Arthur Miller, em 1964, a montagem em cartaz no Teatro Glaucio Gill, em Copacabana, Rio de Janeiro, tem direção de Felipe Vidal. No papel de Maggie, está a atriz Simone Spoladore. Infelizmente, a direção de Vidal tirou pouco proveito das possibilidades que hoje o trio tem a oferecer. Mais parecendo duas peças do que uma em dois atos, “Depois da Queda” se arrasta por três horas se equilibrando em momentos bons e ruins, grandes interpretações e em números musicais dispensáveis. 

Arthur Miller (1915-2005) não tem em “After the Fall” seu maior trabalho. Autor de peças como “A morte do caixeiro viajante” e “Panorama Visto da Ponte”, no texto de “Depois da Queda”, há duas confusões diferentes: a) quem é o protagonista? Quentie ou Maggie? b) Considerando o fato de Miller ter sido casado com Marilyn entre 1956 e 1961, tendo esta falecido em 1962 e a peça ter sido escrita em 1964, sabe-se que há forte referência entre Maggie e Marilyn. Mas de que Marilyn o autor trata? Sua esposa ou a grande ícone do cinema ocidental? Desses dois problemas, partem as questões de recepção do texto e, claro, do espetáculo a partir dele que não lhe faz nenhuma alteração dentre as muitas possíveis. O caso lembra “Dorotéia” e Nelson Rodrigues: mesmo um grande dramaturgo pode ser alterado, mas são poucos os corajosos que o fazem. 

No texto, é Quentin o protagonista. Maggie é apenas mais uma dentre as mulheres com quem o anti-herói se relaciona, distanciando-se das demais, porque, a princípio, exige-lhe pouco, mas aproximando-se delas novamente, porque lembra a ele sua incapacidade de se entregar. Palavra ao lado de palavra, Maggie/Marilyn tem mais importância na literatura de Miller apenas porque, de início, faz Quentie se sentir diferente. No palco, os personagens não são feitos de letras negras em fundos brancos, mas têm cor. No teatro, Maggie é a protagonista. 

Produzida pela primeira vez no Brasil há quase cinquenta anos, com Maria Della Costa e por Paulo Autran nos papéis principais, “Depois da Queda” continua, desde sua estreia, interessando apenas porque narra algo similar aos últimos anos da vida de Marilyn Monroe (1926-1962). É sua figura quem está nos cartazes das diversas montagens ao redor do tempo e do mundo, são imagens dela que vemos logo no início da peça dirigida por Vidal, ainda que a personagem Maggie só vá aparecer, de fato, no final do primeiro ato. Uma direção hábil precisaria evidenciar que o ícone Maggie/Marilyn re-hierarquiza os signos da obra, colocando eles em lugares de importância diferentes. Na montagem atual, infelizmente fiel ao texto, de um lado temos um arrastamento das histórias entre Quentie e suas outras mulheres, família e amigos. De outro, temos um arrastamento da história entre Quentie e Maggie, ficando ainda mais pesado pela incursão estranha de números musicais bastante mal interpretados (não há um só ator que cante bem no elenco). Ou seja, tanto no primeiro como no segundo ato, há um esforço desnecessário em contar uma história que acaba por ficar duplamente desinteressante, porque repetitiva. 

Com boas interpretações, sobretudo no elenco masculino, “Depois da Queda” se salva em vários momentos. Um deles é a discussão entre amigos sobre o comunismo, de que participam Leandro Daniel Colombo, José Karini e o protagonista Lucas Gouvêa. Os três, em todos os seus momentos, mas principalmente nesse, apresentam louváveis trabalhos: cheios de força, vigor, masculinidade e de profundidade. No elenco feminino, destacam-se Thaís Tedesco e Simone Spoladore, essa última em uma exuberante interpretação de Marilyn Monroe. Ambas têm fortes participações, representando lados opostos do feminino: a sensualidade em uma e a responsabilidade em outra. 

A montagem atual de “Depois da Queda” também garante saldo positivo nos elementos visuais. O cenário de Aurora dos Campos é rico em potencialidade e oferece vastos recursos ao encenador. O figurino de Flávio Souza, por sua vez, além de marcar uma determinada época, descreve o personagem e colore a narração com elegância. A movimentação do elenco no espaço cênico é pontual e segura dentro da concepção de Vidal de que já se tratou. 

Estando o teatro mais vivo do que é visto em “Depois da Queda”, fica na retina a imagem de Simone Spoladore em um grande momento de sua carreira como atriz. 

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FICHA TÉCNICA

Texto: Arthur Miller
Direção e Tradução: Felipe Vidal

Elenco: Lucas Gouvêa, Simone Spoladore, Gabriela Carneiro da Cunha, José Karini, Paulo Giardini, Thais Tedesco, Leandro Daniel Colombo, Talita Fontes, Paula Tolentino e Luciano Moreira

Cenografia: Aurora dos Campos
Figurino: Flávio Souza
Iluminação: Tomás Ribas
Direção musical: Luciano Moreira e Felipe Vidal
Preparação corporal: Denise Stutz
Direção de produção: João Braune - Fomenta Produções e Daniele Avila Small
Idealização do projeto: Felipe Vidal
Realização: Complexo Duplo e Projéteis Cooperativa Carioca de Empreendedores Culturais

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