A humildade do texto diante da excelência do teatro
“A arte e a maneira de abordar o seu chefe para pedir um aumento” é tão interessante para quem vê quanto para quem estuda. Enquanto espetáculo, fica o prazer de ver uma excelente interpretação por um dos nossos mais renomados atores, Marco Nanini. Ao seu lado, junto a ele, grandes trabalhos de também grandes artistas: o cenário é de Bia Junqueira, a iluminação é de Beto Bruel e o videografismo é de Batman Zavareze. Enquanto obra, fica o interesse em perceber a fragilidade de um personagem que só existe enquanto figura em uma caminhada narrativa que não termina, mas é meramente interrompida em uma de suas muitas possibilidades. Eis uma palestra que, bem escrita pelo francês Georges Perec (1936-1982), tem sua ironia, seu drama e comicidade, e seu movimento bem dirigido para a cena por Guel Arraes para Nanini. Tão simples em conceito, mas tão complexo em suas minúcias, o resultado é merecedor do sucesso que tem obtido nas duas temporadas já realizadas na capital carioca.
Marco Nanini tem um trabalho nada menos que excelente. As pausas delicadas, o minucioso olhar, o ritmo dos seus movimentos faciais e corporais, as intenções bem medidas, a retórica em prol dos argumentos do texto e da peça, a dicção perfeita e por aí segue uma lista interminável de detalhes que positivamente podem ser vistos na sua interpretação de “Palestrante”. Sozinho em cena, conversando com o público, o jogo proposto pelo “personagem” é realizado diretamente com a plateia. Alternado pelos intervalos propostos pela distribuição das diversas alternativas que podem surgir quando um funcionário vai ao seu chefe pedir-lhe um aumento, a narrativa se desenvolve. O crescimento, isto é, a curva dramática ascende não por algum fato que aconteça, porque nada acontece, mas porque há a aparente redução das alternativas. É quando o esgotamento do tema parece (repito: parece) se aproximar é que a peça termina, ficando a graciosa sensação de que poderia haver um pouco mais. Interessante é notar que, no caso dessa montagem obviamente, o um pouco mais de que se quer é Nanini/Arraes mais que Perec.
Para o estudo, fica o interesse pelo personagem. O “Palestrante” não tem nome, não tem passado e nem futuro, nem sonhos, nem desejos inalcançáveis, tampouco relações, contracenas, lugares ou posições que sejam suas. A figura só tem o momento presente e um único objetivo que está sendo alcançado imediatamente: o palestrante quer palestrar e palestra. Logo, onde está ou de onde vem a força que impulsiona a narrativa? Sem enredo no texto, a trama se encontra nas expressões do ator (A) em sua interpretação do personagem (B) ao estabelecer o teatro com a plateia (C). A maestria de Perec está em entender o teatro como algo do ator, fazendo apenas o seu trabalho como bom escritor. E são raros os dramaturgos com essa humildade.
Auxiliam Nanini no estabelecimento de jogo, o cenário de Bia Junqueira que reforça com elegância o tecnicismo do texto, bem como a iluminação de Bruel, o videografismo de Zavareze e o figurino formal de Antônio Guedes. Tudo isso arregimentado por Guel Arraes resulta em mais um ótimo espetáculo da dupla com Nanini a ser muitas vezes aplaudido!
Ficha técnica:
De GEORGES PEREC, tradução: JOSÉ ALMINO
Direção: GUEL ARRAES. Com MARCO NANINI
Cenografia: BIA JUNQUEIRA
Iluminação: BETO BRUEL
Figurinos: ANTONIO GUEDES
Videografismo e Programação Visual: BATMAN ZAVAREZE
Trilha Sonora: BERNA CEPPAS
Direção de Produção: Carolina Tavares
Produção: FERNANDO LIBONATI
Realização: PEQUENA CENTRAL DE PRODUÇÕES ARTÍSTICAS LTDA
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